Ao acessar o site oficial da Legião Internacional da Ucrânia, você vai ler a seguinte frase em português defenda a liberdade da Ucrânia, da Europa e do mundo inteiro. Essa mensagem faz parte de uma campanha intensa do governo ucraniano para atrair mais brasileiros dispostos a lutar na guerra contra a Rússia, que já dura três anos.
Embora a frase no site tenha um tom político, a abordagem nas redes sociais é mais pragmática Apela para o lado financeiro com a promessa de salários que podem chegar a R$ 25 mil por mês. E parece estar funcionando. Cada vez mais brasileiros buscam informações sobre como se alistar, até mesmo pessoas sem nenhuma experiência militar, já que esse não é um pré-requisito.
Brasileiros que já estão na Ucrânia também estão atuando ativamente em grupos de WhatsApp e nas redes sociais compartilhando detalhes do processo e tirando dúvidas. Mas embarcar nesse tipo de oferta, entre aspas, é uma decisão carregada de riscos e não apenas pelo fato evidente de estar entrando numa guerra. Está no ar o DW Revisto, podcast semanal da redação brasileira da DW, em Bonn, na Alemanha.
Eu sou Fernanda Zolini e no episódio de hoje eu converso com o premiado repórter Ian Boechat, que já realizou diversas coberturas em áreas de conflito e esteve recentemente na Ucrânia. Há pouco mais de três anos, a Rússia iniciou uma ofensiva militar contra a Ucrânia que deu início a uma guerra ainda sem fim. São mais de 12 mil civis mortos e 29 mil feridos desde que começou a invasão da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Três anos de guerra deixaram marcas profundas na sociedade e no território ucraniano. No leste e no sul, muitas cidades e vilarejos foram severamente devastados pelos ataques russos. Vários locais se tornaram regiões fantasma. Com o aumento no número de soldados desertores e mortos, a Ucrânia enfrenta uma crise de efetivo. Estima-se que cerca de 100 mil soldados ucranianos tenham desertado desde o início da invasão russa em 2022, mais da metade só no ano passado.
Ou seja, o exército ucraniano precisa provavelmente mais do que nunca de voluntários estrangeiros. Ian Boechat, obrigada por participar desse episódio. O que exatamente o governo ucraniano está fazendo para atrair ainda mais brasileiros para lutar na guerra contra a Rússia? Os brasileiros estão lutando nessa guerra já desde o começo, até antes do início da invasão russa-ucrânia, entre 2014 e 2015.
Em 1918, um grupo de brasileiros foi lutado do lado russo nas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk. Depois, com a chegada, com a invasão russa, um grupo bastante grande de brasileiros. foi para a Ucrânia lutar ao lado da Ucrânia contra os russos. Mas com... A guerra se mostrando muito violenta, muitos desistiram e muitos voltaram. O que parece estar mudando agora é que o perfil desses brasileiros que iam lutar na Ucrânia era um perfil de pessoas ligadas.
a área militar, que tinham o desejo de conhecer a guerra, ou por questões ideológicas. Agora a Ucrânia... está investindo na ideia de que é possível fazer bom dinheiro lutando na guerra, prometendo ganhos salariais de até 25 mil reais por mês. É interessante ver que eles traduziram o site para o português, algo que...
Não existia até agora há pouco. Tem vários grupos de WhatsApp agora com as pessoas... tentando buscar informações, tem um aumento muito considerável de vídeos de brasileiros lá explicando como faz. para ir trabalhar lá, muita gente tentando levantar dinheiro. Eu acho que é muito interessante ver, perceber como as redes sociais têm um papel...
muito importante nesse esforço de mobilização que o governo ucraniano está fazendo, mas também na conquista de corações e mentes das pessoas que estão aqui num universo muito distante daquele. Todo o processo de propaganda vai mostrar... Essa coisa do heroísmo, é muito interessante ver como o próprio governo ucraniano opera no TikTok, ou o próprio governo russo também, como eles operam no TikTok.
no Instagram, porque você tem toda essa coisa da glória, da guerra, da camaradagem. São vídeos muito de vitória, de aventura, de uma coisa... universo hipermasculinizado, de só coisas muito bacanas, mas não mostra muito as dificuldades que é viver num combate... que em alguns momentos parece a Primeira Guerra Mundial e em outros momentos parece realmente uma guerra do século XXI com todos esses armamentos tecnológicos. Ir para as trincheiras hoje é extremamente perigoso.
A guerra se transformou de uma forma muito profunda e muito rápida nesses últimos três anos. O que era uma guerra de artilharia tradicional há três anos, hoje é uma guerra de drones. Os drones são os grandes assassinos dessa guerra, pelo menos 70%, 80%. as pessoas estão morrendo por conta dos drones. Aliás, tem um documentário no YouTube da DW Brasil exatamente sobre esse assunto. É só colocar na busca como drones russos aterrorizam a Ucrânia.
E nessa campanha para atrair os brasileiros tem se divulgado muito a possibilidade de ganhar 4.500 dólares por mês, ou seja, cerca de 25 mil reais. Mas não é bem assim, né? Esse é um outro ponto. O salário base é de 500 dólares e ele vai ampliando. Isso também serve para os ucranianos de acordo com a quantidade do...
de tempo que você passa próximo da linha zero ou próximo do front de batalha. E isso tem raios de... distância mesmo, que vão dizendo, olha, você ganha tanto aqui, ganha tanto aqui, ou se você fizer participar de uma operação de assalto, uma operação de reconhecimento, você vai ganhar mais. E a conversa toda que está na cabeça dos brasileiros é que você pode ganhar até 4.500 dólares por mês. Mas isso é bastante difícil, você precisa ter uma exposição ao risco.
gigantesca. E um outro problema é que ele precisa sempre Ele só vai receber o seu dinheiro se ele tiver uma conta num banco ucraniano. Ele tem que receber em moeda ucraniana. E ele vai ter que abrir uma outra conta para poder mandar o dinheiro para os seus familiares. Enfim, existe um monte de complicações, não é simples. E um problema ainda maior para as famílias das pessoas que vão lutar lá e acabam morrendo, porque o governo ucraniano...
Ele não reconhece que a pessoa foi morta se não houver a recuperação do corpo. É comum você encontrar em Kiev famílias de colombianos que estão lá tentando receber o dinheiro e entendem como fazer isso. E é um processo muito complexo porque a gente está vivendo desde meados de 2023 ou início de 2024.
um momento de ofensiva russa. Os russos estão caminhando e muitas vezes os corpos das pessoas que morreram em batalha, principalmente os ucranianos, ficam para trás. É impossível recuperar esses corpos. E o governo ucraniano não reconhece essas mortes, é preciso entrar com uma ação judicial. para ele ter desaparecido pelo menos seis meses. Acho que no caso do Brasil é um bom exemplo. A gente deve ter cerca de 25 mortos já registrados oficialmente, mas o Itamaraty só reconhece oito.
Ou seja, a maior parte dos brasileiros que morreram na Ucrânia ainda não tem a sua morte 100%. confirmada, porque os corpos não foram recuperados. Então tudo isso vai adicionando camadas de complexidade nesse processo. Você citou os colombianos porque muitos foram para a Ucrânia, atraídos por salários considerados elevados em comparação com a média do país. Na sua reportagem, você disse que a estimativa é que até 2 mil colombianos tenham combatido ao lado das forças ucranianas.
Os colombianos, desde que houve o Acordo de Paz da Colômbia em 2016, se tornaram fornecedores de mão de obra para diferentes conflitos no mundo. Talvez hoje a Colômbia seja a maior exportadora. de mercenários para o mundo. E você tem um contingente muito grande de ex-combatentes na Colômbia que ficaram desempregados ou que pararam de trabalhar e todo o processo de paz.
colombiano acabou não conseguindo absorver todas as pessoas. A estratégia que a Ucrânia está realizando nesse momento é muito parecida. com o que ela utilizou com os colombianos há um, dois anos atrás. Essa promessa de ganhos financeiros bastante altos, treinamento, tenta minimizar um pouco os riscos da guerra. para convencer essas pessoas que estão precisando de dinheiro a ir para lá lutar. Está muito difícil atuar no front, está muito arriscado.
É uma vida bastante complicada, porque você passa o tempo inteiro dentro de um buraco. Quando você sai, você fica muito exposto. É uma frustração grande, principalmente os colombianos que ficaram muito frustrados. Muitos deles abandonaram os postos, muita gente voltando. Por não entender exatamente como é que funciona essa política de remuneração. E é simples esse processo de volta? Não, você precisa ficar no mínimo seis meses.
o contrato mínimo, o contrato pode ser de até 3 anos, e em 6 meses você pode... abandonar o seu posto e cancelar o contrato legalmente. E provavelmente não tem ajuda de custo para voltar para casa. Não, nem ajuda de custo, nem para ir, nem para voltar, nunca. O processo de inscrição parece... parece relativamente simples, preencher o formulário no site, anexar alguns documentos. Não precisa ter experiência militar nem comprovar conhecimentos de outro idioma.
esperar o contato de um recrutador. Mas chegar na Ucrânia não é tão simples. Começar pelo valor da passagem aérea para a Europa e depois o trajeto até realmente entrar na Ucrânia. da Polônia para a Ucrânia, na hora ali eles perguntam se você é voluntário, o que você é, entendeu? Se você fala, eu sou voluntário. automaticamente eles já te encaminham para um escritóriozinho ali, aí tem uma plaquinha, voluntários e tal.
mas eles não te mandam carta, não te mandam nada. Até porque eu acho que tem uma preocupação de que algum tipo de carta, algum tipo de documento possa auxiliar uma imigração. para a União Europeia. Atravessei essa fronteira algumas vezes e atravessei com o passaporte brasileiro e invariavelmente te perguntam se você é voluntário ou não no próprio posto de fronteira entre a Polônia e a Ucrânia.
Você conversou com um brasileiro que está juntando dinheiro para conseguir chegar à Ucrânia e eu gostaria que você contasse um pouco sobre a sua conversa com ele. Acho que muita gente pode estar se perguntando como alguém toma uma decisão assim por motivos financeiros. Foi triste, na verdade. O nome dele é Renato, ele é um cinegrafista de Manaus. que vive, como todos os jornalistas, as dificuldades de uma...
de uma crise profunda na indústria de comunicação. E ele serviu no exército quando era jovem e participou da... da Operação de Paz do Brasil no Haiti. Então ele se considera um cara que tem alguma experiência. E ele está muito seduzido, porque ele está com muitas dificuldades financeiras. Ele acredita que vai ser possível fazer algum dinheiro. relativamente rápido lá, tem consciência de que é perigoso, ele tem uma filha de 12 anos, ele...
Ele está acreditando muito na promessa do governo ucraniano que se algo acontecer com ele, a família dele vai poder receber o seguro de 350 mil dólares. Ele está numa situação, eu acho que, como muitos brasileiros... tentando encontrar uma maneira de melhorar a sua qualidade de vida de forma relativamente rápida, já que ele parece que não está encontrando caminhos aqui. para conseguir melhorar a sua vida. Ele não tem dinheiro para ir, ele está tentando arrecadar, ele fez uma campanha.
Enfim, é uma história muito dura. Eu conversei com outros brasileiros que acabaram entrando na matéria. Conversei com um brasileiro aqui de Itanhaém. no litoral de São Paulo, era um motoboy, um entregador, também dizia que não havia mais nada para ele no Brasil, ele chegou na Ucrânia há um mês e já foi ferido, pisou numa mina, acabou se machucando, não gravemente. mas isso talvez dê uma ideia de...
de quão rápidas essas pessoas estão sendo enviadas para o front. E ele tinha alguma experiência militar? Era civil, nunca havia tido treinamento algum e teve um treinamento, tive algumas semanas lá, muito poucas semanas, provavelmente. E já foi enviado para o front. Esse é um problema muito grande da Ucrânia. A Ucrânia tem uma dificuldade muito grande de conseguir convencer os seus próprios cidadãos.
a irem para as linhas de frente. A guerra está muito violenta. O índice de letalidade está muito alto. Tem muita gente morrendo. Eu estive lá em fevereiro. É impressionante o número, por exemplo, de enterros que você... diariamente. É uma rotatividade no crematório assustadora de você ver aquela fumaça preta saindo. É algo muito brutal. E a Ucrânia hoje vive talvez a maior crise demográfica do mundo.
perdeu mais de 40% da sua população em 30 anos. Tem muito ucraniano fugindo, mas tem muito ucraniano desertando também. porque como você tem um número de tropas não suficiente, a rotação é muito baixa nos frontes. Então você chega, eu encontrei soldados recentemente que estão há dois anos sem voltar para casa praticamente. que ficam ali no fronte semanas. Em geral, você tem uma rotação de tropas nas linhas de frente. Na Ucrânia não tem acontecido isso.
É uma situação bastante complicada para o país e, obviamente, muito complicada para quem vai lutar. Eu acho que os ucranianos acreditaram... que o mundo viria ao seu socorro. Eles acreditaram que seria, de fato, uma buffer zone entre... Duas grandes forças. E eu acho que fizeram uma aposta muito grande nisso. E se viram abandonados. A impressão que eu tenho agora dessa última vez, já tinha tido um pouco em 2024, mas acho que dessa vez eu acho que está...
Porque os ucranianos acreditaram que seriam capazes de vencer os russos. Aquela propaganda toda de guerra fez as pessoas acreditarem que seria possível. vencer a máquina russa. Mas eu acho que é isso, acho que é uma resignação e uma compreensão de que não vai dar, que vai ter que ceder território. que a realidade está se impondo de uma maneira muito violenta. O país está, infelizmente, perdendo uma geração inteira, de gente muito talentosa, de gente que...
Estava muito preparada e acabou tendo que ir para a trincheira. É muito triste. Muito obrigada ao Ian Boechat. A reportagem completa sobre esse tema está no site da DW Brasil. E no YouTube da DW Brasil tem o documentário Como Drones Russos Aterrorizam a Ucrânia. A edição desta semana do DW Revista fica por aqui. Lembrando que o podcast pode ser acessado por meio de plataformas como o Spotify, onde basta procurar pela playlist DW Revista.
Além disso, tem na Deezer, iTunes, Google Home e Alexa. A produção, apresentação e edição técnica são minhas, Fernanda Zolini, edição final e coordenação de Luísa Frey. Obrigada por acompanhar a gente e até semana que vem.