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Por que tantos brasileiros são analfabetos funcionais?

May 16, 202516 min
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Summary

O Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) revela que 29% dos brasileiros são analfabetos funcionais, um índice estagnado há seis anos. A diretora Ana Lúcia Lima discute as possíveis causas, incluindo o abandono da educação de jovens e adultos e o impacto da pandemia. O episódio aborda ainda a importância do letramento contínuo na escola e no trabalho, a nova avaliação de alfabetismo digital do INAF e os desafios sistêmicos para avançar nesta área no Brasil.

Episode description

29% da população brasileira é considerada analfabeta funcional, ou seja, tem dificuldade para compreender textos e realizar operações matemáticas básicas. Entre os brasileiros que cursaram ou até concluíram o ensino superior, esse índice é de 12%. Este episódio conta com a participação de Ana Lúcia Lima, uma das responsáveis pelo Inaf, o Indicador de Alfabetismo Funcional, realizado desde 2001.

Transcript

29% da população brasileira é considerada analfabeta funcional, ou seja, quase um terço dos brasileiros tem dificuldade para compreender textos e realizar operações matemáticas básicas. E não se engane, esse problema não atinge apenas quem tem baixa escolaridade. Entre os brasileiros que cursaram até concluíram o ensino superior, 12% ainda são considerados analfabetos funcionais.

Os diferentes níveis de letramento da população vêm sendo avaliados há mais de duas décadas pelo Indicador de Alfabetismo Funcional, que aplica testes práticos baseados em situações do cotidiano para medir a capacidade de leitura e escrita e cálculo. O que chamou atenção na edição mais recente do estudo não foi um aumento ou queda nos índices, mas sim a estagnação dos resultados ao longo de seis anos.

Além disso, pela primeira vez, o estudo também avaliou o nível de alfabetismo no ambiente digital. Mas afinal, por que o Brasil estagnou nessa área? Por que tantos brasileiros são considerados analfabetos funcionais? Está no ar o DW Revista, o podcast semanal da redação brasileira da DW, em Bonn, na Alemanha. Eu sou Fernanda Zolini.

E neste episódio eu converso com Ana Lúcia Lima, diretora da consultoria Conhecimento Social, que em parceria com a ONG Ação Educativa, é responsável pelo INAF, o Indicador de Alfabetismo Funcional, realizado desde 2001. Primero, es importante entender 5 níveis de alfabetismo estipulados pelo INAF desde 2001. O primeiro é o analfabeto, a condição de alguém que não sabe ler nem escrever.

O segundo nível é o rudimentar. A pessoa consegue detectar informações simples em textos curtos, ler e escrever números familiares. Esses dois primeiros níveis formam o grupo dos analfabetos funcionais. Na primeira edição da pesquisa, realizada em 2001, esse grupo representava 39% da população brasileira. Bom, a partir do terceiro nível, o elementar.

não é mais considerado analfabeto funcional. Nele, o indivíduo é capaz de comparar e relacionar informações numéricas ou textuais em gráficos ou tabelas simples envolvendo situações do cotidiano. E aí vem os níveis intermediário e proficiente, sendo o proficiente o grau mais alto. A pessoa consegue, por exemplo, elaborar textos de maior complexidade e interpretar tabelas e gráficos mais detalhados.

A décima edição do indicador de alfabetismo funcional foi publicada recentemente e chamou a atenção não pelo aumento ou diminuição dos índices, que é o que normalmente salta aos olhos ao comparar estatísticas. e sim pela estagnação no número de analfabetos funcionais num período de seis anos. Em 2018, o percentual de analfabetos funcionais entre os brasileiros de 15 a 64 anos era de 29%. Em 2024, esse número continua o mesmo.

Bom, dito isso, Ana Lúcia Lima, obrigada por participar do DW Revista. Você trabalha há mais de 20 anos na produção desse indicador. Essa estagnação realmente chama a atenção? Qual ou quais as possíveis explicações para isso? A gente sabe que processos de mudança desse tipo são lentos, mas eles vinham de alguma maneira confirmando uma tendênciazinha de melhora, ou seja, pela queda. os analfabetos

absolutos e funcionais, seja por um ligeiro crescimento desse grupo elementar ou intermediário, que são os níveis já alfabetizados. De uma certa maneira, a não mudança foi surpresa. E nas reflexões que estamos fazendo aí durante essa análise, praticamente acho que a gente está identificando talvez duas causas principais. Do ponto de vista da população mais velha, menos escolarizada, um abandono quase, um decréscimo importante da oferta de educação de jovens e adultos.

quatro, seis anos, esvaziou muito a educação de adultos, que bem ou mal, não é ideal, não é perfeita, mas é o caminho para esse adulto com pouca escolaridade recuperar de alguma maneira aquilo que ele não teve na época, na idade correta. A educação de jovens e adultos às vezes é confundida com essa ideia de alfabetização de adultos, ela não é só isso.

ela não é mais aquela coisa de atender o velhinho com a inchada que ficou sem educação quando eu era criança mas é muito mais O jovem que deixou a escola antes de terminar a sua educação básica, a pessoa que ficou muito frágil no processo, virou, repetiu duas, três vezes, descansou, largou.

e está querendo voltar que está vindo no processo de tentar de alguma maneira recuperar esse aprendizado que não teve, ainda que seja alguém de 20, 25, alguém bastante jovem ainda com o processo recente de escolarização. E, por outro lado, a gente tem que olhar para a pandemia. A pandemia tirou da trajetória regular do aprendizado um grupo grande de estudantes que, por dois anos,

ficaram fora da continuidade desse processo de aprendizado. E aí não é só para quem está na escola, mas também o trabalho, o espaço de letramento, o consumo de cultura, o espaço de letramento, esse isolamento que as pessoas... As pessoas tiveram, não só de quem estava na escola. mas quem tinha regularmente um trabalho que ali tem um chefe, tem uma organização, tem uma forma de fazer as coisas, isso tudo faz desenvolver habilidades, né? Você desligado desse contexto.

talvez seja parte da explicação de por que a gente não vê a coisa evoluir. De acordo com o IBGE, de 2000 a 2022, a frequência escolar cresceu nos grupos etários até os 17 anos, Na faixa de 4 a 5 anos, a frequência subiu de 51% para 86%. No grupo de 6 a 14 anos, a taxa foi dos 93% para os 98%. Na faixa de 15 a 17 anos, a frequência subiu de 77% para 85%. Décadas atrás a preocupação era ter todas as crianças na escola

escola, mas todo mundo sabe que só a presença em si não é sinônimo de um alfabetismo de fato. Até por isso que, como o indicador mostra, ainda há esse alto índice de analfabetos funcionais ou de nível elementar no país. Quando você olha para essa população que mais recentemente entrou na escola, que geralmente é a primeira geração de uma família que terminou, nem digo o ensino médio, às vezes terminou até o próprio fundamental, os nove anos da escolaridade básica, o médio.

e muitas vezes é a primeira geração que chega na faculdade. O papel da escola no letramento desses indivíduos é maior do que no filho da classe média alta, certo? Porque ele já vem letrado do imbalo ali do... daquilo que acontece em casa. Primeiro, essa ideia de que a alfabetização não é um processo finário, não existe essa coisa alfabetizada e não. Agora alfabetizou até logo.

tá tudo certo, porque é um processo contínuo mesmo, a gente prefere usar até o termo alfabetismo, o termo letramento, ele reflete mais essa coisa de processo, você continua se letrando. nós ao longo da vida, mas a escola parece que é um tal desafio alfabetizar uma criança.

E quando ela diz que está alfabetizada, não chega. Vamos tratar de outro assunto agora. E isso acho que é um grande equívoco, especialmente quando você pensa nas crianças de mais baixa renda, que não têm livros em casa, cujos pais não são escolarizados. É na escola que ela vai adquirir essa... essa maior competência em linguagens que são específicas. Em história você vai ler um texto mais longo, em geografia você vai ler um mapa, você vai ler uma tabela.

Em ciência, você vai começar a pensar em diagrama, cada espaço, cada conteúdo desses, cada matéria, tem também um papel de letrar e que não tem sido intencional, a intencionalidade de letramento. não tem estado presente, você não vê isso na definição da base nacional curricular, você não vê essa coisa expressa como uma intenção de continuar letrando ao longo da trajetória.

A mesma coisa você pode dizer no trabalho, como espaço de letramento mesmo. O trabalho está para um adulto, assim como a escola está para uma criança, no sentido de ser um processo regular, ele tem gente que sabe mais do que ele, ele tem... uma rotina, ele tem um texto que orienta, ele tem que escrever relatórios ou algum tipo de registro da atividade que faz. Então, isso sendo feito sistematicamente.

vai fazendo com que a pessoa desenvolva a sensibilidade e a gente não vê no mundo corporativo brasileiro uma espécie de intencionalidade de fortalecer essas habilidades. De uma certa forma o Brasil não se escandaliza enquanto isso não mudar. Você vai continuar de um jeito tendo adultos excluídos. sem espaço de requalificação, ou com poucos espaços de requalificação, e tendo jovens que vão continuar saindo, como você mesmo disse, do processo de escolarização ainda, novamente as regionais.

Esta edição do INAF entrevistou 2.554 pessoas de 15 a 64 anos entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, em todas as regiões do país. Ana, eu gostaria que você falasse um pouco sobre o teste em si, como ele é feito exatamente. A gente dessa vez aplicou dois testes. um que é igualzinho ao que sempre foi, presencial, vai um aplicador no domicílio, de amostra sorteada e conversa com a pessoa.

Propõe para ela a solução de várias situaçõezinhas, que vão desde, sei lá, ter o cartaz, a vacinação, começa a digitar tal. Se você tem mais de X anos, vá tomar vacina. Ele tem que saber qual é o dia da vacinação e qual a idade que ele precisa ter para poder tomar a vacina. Até textos, às vezes, até poéticos ou pequenas fábulas. notícia de jornal, mapa, tabela, enfim, vai complicando, né, à medida que ele vai deixando de acertar.

a gente consegue criar essas cinco categorias. Desde 2015, a gente está preocupada com essa coisa do digital, porque se o que a gente está medindo é o quanto a pessoa usa as habilidades dela de leitura e escrita em matemática para viver, para as condições da vida, essa vida tá ficando crescentemente digital. Então tem muitas coisas que você... Pode fazer, ou deve fazer, ou obrigatoriamente só pode continuar, conseguir fazer.

Já no teste de 2015 e 2018, a gente tinha no papel situações que imitavam uma conversa de WhatsApp, ah, fulano disse isso, outro respondeu aquilo e tal. E a pergunta era em cima daquilo, mas não é o papel. O próximo teria sido o 21. O 21 estava a pandemia, esquece, não tinha espaço. E a gente sai da pandemia com um mundo muito mais digital do que entrou, mais online e muito mais remoto. Então a gente já aplicou como se fosse duas... Um teste diferente.

um velho igualzinho no papel e o outro num celular. É um celular simuladamente online. Ele não está de verdade online, porque a gente tem que poder fazer essa entrevista no interior, na Amazônia, no meio do mato. Então pode ser que eu tenha acesso, que eu não tenha acesso. Então ele simula uma situação. online, a gente conduziu o cara através de três atividades, como era uma compra online.

A outra era um negócio de Netflix, ter que escolher o filme, falar pro amigo qual filme você escolheu pra assistir, blá blá blá. E a terceira era um negócio pra gente ter um cadastro pra se registrar num festival. as pessoas tinham que executar 14 tarefas. clica no tênis, clica no número do tênis, na cor do tênis, vejo coisas bem simples, tipo clicar, reconhecer que um link é um link, que um...

Ícone é um ícone, que um meme é um meme, enfim. A gente fez uma escalinha assim de quanto por cento o cara acertou dessas 14 tarefas que ele tinha que fazer e classificou em alto, médio e baixo, dependendo de quanto por cento ele acertou. Só para a gente ter uma ideia do resultado de habilidades no teste digital, apenas 23% dos participantes tiveram alto desempenho, ou seja, acertaram pelo menos 2 terços das atividades.

Isso nos trouxe uma primeira estimativa, ainda bem rudimentar, a gente não quis sair. teorizando sobre de cara, a gente quer fazer isso no coletivo, quer juntar mais gente, quer discutir isso mais. É muito fácil chegar de fora e dizer, ah, é baixa a qualidade, não sei, vai lá arrumar, então, não é simples. A gente costuma olhar muito para a escola como sendo falha do ponto de vista da sala de aula, mas o processo da escola é uma coisa mais complicada do que uma sala de aula.

você tem que ter um conjunto de políticas que se somam mesmo, um currículo adequado, um material didático adequado, seja ele impresso, seja ele virtual, enfim, uma informação de professores compatível.

com este currículo, com esse material, com essa... contemporaneidade, vamos dizer assim, e um sistema de avaliação que olhe para as evoluções novas, porque se eu continuar olhando para as velhas, eu não vou conseguir induzir que novas metodologias, novos currículos e tudo num país gigantesco como o Brasil, com as diversidades.

enormes que tem, é muito difícil de implantar. Dentro do desenho de uma boa política, isso chegar na sala de aula do interior do Mato Grosso é um enorme percurso e o problema nosso acaba sendo muitas vezes continuidade. Porque aí muda governo, muda política, alguém inventa outra coisa. O que sempre se fala do Brasil é uma falta de projeto de país mesmo. O engajamento da sociedade com objetivos que sejam comuns.

e que entre governo e saia governo, a gente vai continuar focando em determinadas prioridades que são socialmente desejadas pela visão de país que o brasileiro terá de si próprio. Eu não canso de ser otimista. A gente faz há 20 e tantos anos esse dado. Então, embora o dado não seja por nada otimista e feliz, hoje eu falo sobre esse resultado. e me ouvem de uma ou outra maneira.

que se ouvia antigamente. Antes era um pouco a coisa do escândalo, olha, passou o oba-oba da notícia, o assunto fica aí na gaveta, hoje não é mais assim. Primeiro que você vê uma contínua melhora e uma... consciência cada vez maior dos atores envolvidos, sejam eles gestores educacionais, mas também as fundações, as academias, olhando para isso de uma maneira mais

uma melhor percepção do que é a realidade e do que são seus desafios. Acho que cada vez mais se tem clareza sobre quais são os desafios e quais são os caminhos para enfrentar. Muito obrigada, Ana, pela participação e a edição desta semana do DW Revista fica por aqui. Deixe nos comentários a sua opinião sobre este tema.

Lembrando que o podcast pode ser acessado por meio de plataformas como Spotify, onde basta procurar pela playlist DW Revista. Além disso, tem na Deezer, iTunes, Google Home e Alexa. A produção, apresentação e edição técnica são minhas, Fernanda Zolini, edição final e coordenação de Luísa Frey. Obrigada por acompanhar a gente e até semana que vem.

This transcript was generated by Metacast using AI and may contain inaccuracies. Learn more about transcripts.
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