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Como lidar com a saúde mental de crianças e adolescentes?

Apr 18, 202516 min
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Summary

Neste episódio do DW Revista, Fernanda Zolini conversa com Hugo Monteiro Ferreira sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Eles discutem como as redes sociais expõem vulnerabilidades já existentes, a importância de revisitar modelos educativos e a necessidade de escutar e fortalecer a nova geração. O episódio aborda o conceito da 'Geração do Quarto' e caminhos para melhorar a saúde mental dos jovens.

Episode description

Costumamos culpar as redes sociais por muitos problemas, como se antes delas a vida fosse perfeita. Mas gerações passadas também cresceram sob indiferença, autoritarismo e violência. O episódio conta com a participação de Hugo Monteiro Ferreira, que tem pós-doutorado em Estudos da Criança e é autor do livro “A Geração do Quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar.”

Transcript

A responsabilidade não me cabe, ela cabe a essa invenção demoníaca que se chama internet. E foi essa invenção demoníaca quem conseguiu desvirtuar o meu menino e a minha menina. Isso não é verdade. O seu menino e a sua menina, eles estão também problemáticos. nas suas relações humanas, porque você, muito provavelmente, participou dessa construção da problematização.

A frequência com a qual culpamos as redes sociais por diversos problemas na sociedade às vezes faz parecer que antes delas a vida era perfeita. Que a dinâmica entre crianças e adolescentes e seus cuidadores e a escola funcionava muito bem. Havia diálogo, não havia isolamento, nem rebeldia, não existia esse papo de saúde mental. Bom, fato é que muitas crianças e adolescentes de gerações passadas cresceram com base na indiferença, autoritarismo ou violência.

Tanto física quanto emocional Quase sempre foram silenciados pelo adultismo Excluídos dos assuntos de gente grande Para se ter uma ideia, foi só em 2021 que a Sociedade Brasileira de Pediatria incluiu o tema da saúde mental entre crianças e jovens no chamado Tratado de Pediatria, que é a principal publicação direcionada aos médicos que cuidam de pessoas até 18 anos.

Importante frisar que saúde mental é muito mais do que a ausência de transtornos mentais. É um estado de completo bem-estar físico, mental e social. A OMS estima que no mundo, um em cada sete jovens entre 10 e 19 anos vivencie problemas de saúde mental. Metade de todas as condições de saúde mental começa aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada, muito menos tratada. Não, não é culpa apenas das redes sociais. E é sobre isso que a gente vai falar agora.

Está no ar o DW Revista, o podcast semanal da redação brasileira da DW, em Bonn, na Alemanha. Eu sou Fernanda Zolini e no episódio de hoje eu converso com Hugo Monteiro Ferreira. Ele tem pós-doutorado em Estudos da Criança, é professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco e autor do livro A Geração do Quarto, quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar.

A saúde mental dos adolescentes é uma grande preocupação mundial Um caso de saúde pública, já que as consequências podem ser catastróficas E como o smartphone é praticamente uma extensão do corpo e as redes sociais é a principal companhia dessa faixa etária, é inevitável que estejam no cerne da discussão sobre saúde mental. Recentemente, na França, por exemplo, foi aberta uma comissão nacional de inquérito para investigar os efeitos psicológicos do TikTok em adolescentes.

para entender como eles são afetados pela rede social e agir para responsabilizar a plataforma pelos impactos negativos. É consenso que o ambiente digital pode expor crianças e adolescentes a diversos tipos de risos. Mas a forma e a intensidade com as quais essa faixa etária usa as redes estão diretamente ligadas à vida real, além dos dispositivos. Ou seja, no quão vulnerável está a situação dessa criança ou desse adolescente em âmbito familiar, social, econômico e, principalmente, escolar.

E é sobre isso que eu converso agora com o professor Hugo Monteiro Ferreira, que tem feito pesquisas sobre a saúde emocional de crianças, adolescentes e jovens, e atualmente também desenvolve estudos acadêmicos na área de psicologia e neuropsicologia. Hugo, você fala no livro que as redes sociais digitais são como lupas que mostram o silenciamento dentro das casas que apenas trouxeram à tona um fosso enorme que as casas já possuíam e que ampliaram e aprofundaram esse fosso.

Gostaria que você falasse mais sobre isso. controlar a nossa citocina, controlar a nossa dopamina, controlar a nossa serotonina, controlar a nossa adrenalina, nossa noradrenalina. Mas isso, por si só, não garante o adoecimento. Não garante... que você tenha psicopatologias, que você tenha comportamentos autodestrutivos. Isso é um elemento, um fator que precisa ser respeitado e estudado. Mas ele, por si só, não vai tornar você uma pessoa...

adoecida. Para eu ser adoecido, a partir da minha relação com as redes sociais digitais, É preciso que eu esteja inserido em um grupo social. com o qual eu não tenho interlocução. Um grupo social que me desrespeite pelo que eu sou, que não escute a minha voz, que não queira a minha participação, que não consiga me fazer pertencer a ele próprio. Seja esse grupo social na família, seja esse grupo social na escola.

seja esse grupo social no todo. A família foi se alterando, mas ela não conseguiu dar conta. que era a violência como recurso de estratégia educativa, o silenciamento como recurso de estratégia educativa, a opressão como recurso de estratégia educativa. o afeto a partir da prescrição, da predição, ou seja, eu te amo como filho, desde que você seja o filho que eu desejei que você fosse.

Na medida em que você não é o que eu desejo, o meu amor começa a ser condicional. Esse condicionamento vai funcionar na infância, mas na adolescência ele não funciona. A adolescência não aceita condições. Ela enfrenta as condições. Então você vai ter muita dificuldade de reger um adolescente a partir dos mesmos modelos.

parentais que você vai encontrar na Idade Média, na Idade Moderna, e você tem que revisitar isso, e tem sido muito difícil para o adulto revisitar, porque o adulto é filho desses modelos. Ele é filho dessa ideia. Os nossos grandes referenciais de educação parental são os nossos pais, ou para fazer igual ou para fazer diferente, mas sempre os nossos pais. E os nossos pais, os referenciais, são os pais dos pais, os avós.

E os avós e os bisavós. Daria para você citar dois exemplos para a gente entender essa dificuldade em revisitar as estratégias educativas do passado? Para citar dois exemplos, eu também tenho que fazer uma distinção, que é como a menina é e como o menino é. A menina de hoje não é a menina de há 20 anos, de há 30 anos. Ela hoje tem consciência corpórea. consciência de gênero, lucidez sobre a sua condição de mulher, que a coloca numa situação de repudiar qualquer tentativa.

de enquadrá-la como princesa então se eu puser essa menina na família contemporânea esse modelo patriarcal não reconhece essa menina como sendo um sujeito importante daí você vai ouvir falar nos red pills, eu ouvi falar no masculinismo, explicitamente misógino, com a ideia de que 80% das mulheres querem 20% dos homens, portanto, os 80% que estão fora. eles devem tentar...

eliminar essa mulher e que a mulher é perigosa desde Eva, o macho não mudou muito. Continua com a impressão de que ele foi desrespeitado, deslegitimado. e que ele precisa reagir. Esse menino, então, pode ser, dentro dessa família contemporânea, pode ser um consolidador. do que já se espera dele. Já se espera que ele seja o protagonista.

numa relação patriarcal. Então, nessa família contemporânea, para dar dois exemplos, o que é muito comum no ensino médio, sobretudo em famílias, digamos assim, de classe média. que é a tentativa de direcionar a escolha profissional. Você é médico e o seu filho quer ser ator de teatro. Então vai haver uma pressão muito grande a depender do modelo parental, se for um modelo parental democrático. Obviamente que não vai haver pressão, vai haver apoio.

Mas se for um modelo parental ou autoritário ou permissivista, vai haver pressão. Autoritário vai abrir logo... o ringue dizer não aceito e o permissivista vai ficar indiferente. É um perigo. O ideal é a ideia de, vem cá, você quer ser ator, me explica bem o que é isso.

Como é que eu posso te ajudar nessa carreira? Você quer essa carreira? Você já entendeu que para ser ator você tem que estudar, você tem que ler? Eu sou adulto, eu tenho o corte... frontal já constituído, você não, então, eu posso tentar, eu tenho mais repertório, posso te regular e regular a mim. Esse seria um campo, mas o campo que eu tenho visto é mais da permissividade ou do autoritarismo. A outra questão também é a orientação sexual. Há ainda uma resistência muito grande.

para os amores homoafetivos, bissexuais, sobretudo quando tem alguma relação com religião. Esses são dois pontos que eu acho que a família tem sido bastante negligente com os filhos. Ou oprimindo... ou permitindo ser indiferente. E a partir dessa constatação do sofrimento psíquico dessa geração, você fez um estudo com mais de 3 mil crianças e adolescentes em cinco capitais brasileiras e que deu origem ao conceito de geração do quarto e ao livro de mesmo nome.

A definição de geração do quarto é meninos e meninas entre 11 e 18 anos que, quando estão em casa, passam mais de seis horas do dia isolados e têm uma grande dificuldade de comunicação verbal. Apresentam comportamentos adoecidos, perigosos e frágil. Essas pessoas se comunicam mais com o corpo, seja com tatuagens, piercing ou cabelo pintado, têm muita dificuldade de dizer o que sentem e um forte potencial de violência contra si ou contra o outro.

Geração, nesse caso, não tem a ver com a categorização geração Y, Z, milênios ou neném. E a palavra quarto não é necessariamente o cômodo em si, mas sim uma metáfora para isolamento ou adoecimento. Hugo, o que te chamou mais atenção durante o estudo e a conversa com essas crianças e adolescentes? Nas três técnicas em que eu utilizo para construir dados, uma coisa me chama a atenção. A primeira é a geração do quarto ela é extremamente potente. Ela nos coloca em uma situação...

de revisitar o modelo educativo, o modelo parental que a gente instituiu no Ocidente. Então, por exemplo, você tem meninas mais conscientes do seu papel, enfrentando mais as questões de racismo, uma preocupação mais com as questões ecológicas, um consumo mais atrelado às causas sociais.

Você tem, ao mesmo tempo, uma pergunta-chave, por que o patriarcado existe? Você tem pessoas que expressam mais as suas dores emocionais, coisa que nós não fazíamos anteriormente. Por outro lado, eu acho que é uma geração... que tem vulnerabilidades mentais, uma dificuldade de sentir a frustração. É uma geração... que tem pouco interesse de aprofundamentos afetivos, ela vive experiências afetivas mais...

superficiais. Uma geração também muito emergente e urgente. Ela quer viver o agora. Ela não tem muita preocupação. de pensar o que vem como perspectiva real. O real é um sentimento mais de urgência. É uma geração que, muitas vezes, normalizou a violência. Então existe uma certa tolerância à violência.

seja física, seja psicológica, seja simbólica. Quando eu digo tolerância à violência, por exemplo, quando eu encontro nesses 3.115 pessoas que me diziam... que uma das coisas mais interessantes era ter liberdade para estapear o outro. É uma geração que tem, na medida em que ela se aprofunda pouco nas questões afetivas.

ela também se aprofunda pouco nas questões que vão angustiar a humanidade. Por isso que alguns psicólogos vão dizer, uma geração apática, na verdade ela não é apática, é que ela tem uma dificuldade maior. em se aprofundar nas angústias clássicas do humano. Ela vai viver a experiência da angústia no próprio corpo, mas ela não vai aprofundar muito essa angústia, ela quer resolver isso.

E muitas vezes para resolver, ela se mata. Ou então, muitas vezes para resolver, ela mata. Então, assim, é uma geração que me dá muita vontade de estar perto dela. funcionamento para tentar ajudar, mas é uma geração também que me deixa muito preocupado. Muitos pais, inclusive, me dizem, Hugo, como é que eu tiro meu filho do quarto? Geralmente eu tenho dito a ele, olha...

Antes de tirar seu filho do quarto, entre no quarto, porque o seu filho está lá. De algum modo, você precisa saber em que lugar ele está. O cenário parece desesperador, mas acho que só de estarmos falando cada vez mais sobre esse assunto, isso já indicaria uma mudança, um caminho, né? Eu acho que as redes sociais digitais estão no bojo do momento. Eu preciso me letrar. aprender como lidar com elas para poder também aprender

a como educar meu filho e minha filha no tempo delas. Eu acredito muito que a gente consiga reverter essa situação, porque eu acho que pela primeira vez na história do pensamento humano... e sobretudo do pensamento humano a partir da perspectiva da loucura, nós estamos revisitando o lugar do humano que não é adulto. A gente fala hoje em ouvir meninos, ouvir meninas. E mesmo que isso seja difícil, eu acho que há um esforço grande. e tentar escutar o que é que o humano diz

sobre o mundo, sobre a vida a partir da ótica de crianças e adolescentes. Eu acho que isso é um grande avanço da nossa parte. Eu também acho que as famílias estão preocupadas. Elas não sabem exatamente como solucionar, mas elas têm a preocupação que surge que é o que é que eu vou fazer. Eu acho que a gente, quando faz essa pergunta... é porque há caminhos a ser trilhados e um dos caminhos... Eu acho que é o fortalecimento da mulher dentro da casa, na parceria com o homem.

E a compreensão de que crianças e adolescentes são cidadãos, são cidadãs, que eu acho que a maneira adulta de enxergar a vida... Embora seja aparentemente mais racional e aparentemente mais...

ela demonstrou fragilidades significativas. Então, acho que agora é hora também de abrir espaços para que a gente possa escutar o infanto-juvenil. Agora, eu sei que como adulto eu tenho que cuidar deles, cuidar considerando que... Há experiências na vida que eles ainda não têm, eu tenho, e há responsabilidade na vida que eles ainda não têm, eu tenho, mas considerar que se eu prestar atenção no caminho deles...

eu consigo avançar. Então, a geração do quarto é muito fragilizada, vulnerável emocionalmente, mas é também muito potente. É só saber olhar a potência. Obrigada, Hugo, pela entrevista. E você que está ouvindo a gente, o que acha sobre esse tema? Deixe a sua opinião nos comentários. A edição desta semana do DW Revista fica por aqui. Lembrando que o DW Revista pode ser acessado por meio de plataformas como o Spotify, onde basta procurar pela playlist DW Revista.

Além disso, tem na Deezer, iTunes, Google Home e Alexa. O roteiro, apresentação e edição técnica são minhas, Fernanda Zolini, edição final de Érica Cocay, coordenação de Luísa Frey. Obrigada por acompanhar a gente e até semana que vem.

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