Quanto valem 2 milhões de votos num país com mais de 200 milhões de habitantes? Valem muito. Valem, por exemplo, um presidente da República. 50,9% para Lula, 49,1% para Bolsonaro e 2 milhões de eleitores a separá-los. Foram as presidenciais mais rinhidas de sempre e ninguém perdeu. de sete a um, na verdade é possível encontrar pequenas vitórias em ambos os lados. Os dois candidatos, por exemplo, conseguiram mais votos do que em eleições anteriores.
Mas quem é que perdeu? O longo silêncio no Palácio da Alvorada, que se mantém pelo menos até esta hora em que tomamos este café, deixa o país... ou pelo menos metade do país, em suspenso. Jair Bolsonaro ainda não reconheceu a derrota e estará previsivelmente a fazer contas para perceber que espaço tem para a contestar e que impacto a reação de hoje pode ter em 2026.
Nesse impasse, há um governo e uma governação para começar a preparar. Lula pode ter ressuscitado, mas com um país dividido, um congresso desafiante e fações entre os seus próprios apoiantes, dificilmente se livrarão. e uma via sacra. À mesa do Café Brasil de hoje, já cá estão a Cátia Bruno e o João Gabriel de Lima, mas temos também dois convidados para nos ajudarem a debater todos estes temas. Marcos Melo é professor de Ciência Política.
na Universidade Federal de Pernambuco e foi professor convidado em Yale e no MIT. e Andrés Malamudo, cientista político, é investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Muito bom dia a ambos, muito obrigada por estarem neste Café Brasil. Vamos então avançar. Bom dia, obrigada por se...
Jantar ao Café Brasil, vamos então avançar para a conversa nesta primeira parte, vamos olhar primeiro para o que estes resultados significam, Marcos Melo, como é que olha para este resultado tão renhido e para aquilo que... os candidatos alcançaram na segunda volta ontem? Olha, eu acho que o que deve surpreender é a resiliência de Bolsonaro, mais que qualquer outra coisa, devido a...
ao que a gente tem observado nas últimas eleições, que é esse viés, o anti-incumbent bias, o viés contra o incumbente. Os titulares têm sofrido... de uma forma sustentada, reveses, porque governar não está fácil hoje em nenhuma parte do planeta. E o resultado alcançado por Bolsonaro é surpreendente nesse sentido.
A despeito do fato de que, historicamente, essa será a primeira vez que um incumbente, ao tentar a reeleição, que é permitida uma vez no Brasil, ele será derrotado. Mas eu acho que a nossa perplexidade devia ser invertida. a eleição foi tão competitiva. É verdade essa questão do incumbente e do desgaste da governação, que faz com que muitas vezes ele não sobreviva a uma segunda eleição, mas também é verdade que Jair Bolsonaro conseguiu basicamente os mesmos votos em termos absolutos?
até mais do que aqueles que teve em 2018. Isso também diz alguma coisa sobre a base de apoio do Presidente. Sim, é verdade. Quer dizer, a conjuntura é muito adversa devido à pandemia da Covid e à guerra da Ucrânia. Tudo isso tem impactos sobre o incumbente muito grande. A Covid, mesmo que ela... gere no curto prazo aquele fenômeno de uma solidariedade forte, nacional, contra uma emergência, o chamado efeito rally around the flag, ela produz uma certa fadiga.
a política ao longo do tempo e acaba penalizando praticamente quem estava no poder, o incumbente. A guerra da Ucrânia também tem um efeito muito adverso sobre os incumbentes, que é o... a inflação que ela produz, sobretudo na área de alimentos. Então isso tudo impacta muito negativamente. Então o fato de Bolsonaro ter praticamente empatado com Lula e perde por 1% é que deveria surpreender.
dado esse contexto mais amplo de viés anti-incumbente, digamos assim. Professor, aqui é João Gabriel, tudo bom? Para mim é uma grande honra estar aqui falando. Professor Marcos Melo e professor Andrés Malamud, dois cientistas políticos que eu admiro muito. Primeira coisa que eu queria lhe perguntar, professor, estávamos falando por WhatsApp sobre o tamanho de Bolsonaro e o tamanho de Lula no Congresso Nacional. Na sua avaliação, Bolsonaro tinha 36% e Lula 24%.
Podia falar um pouco sobre essa divisão e como isso pode afetar a futura governabilidade? Sim, essa é a grande questão agora, a governabilidade, considerando que no primeiro turno, agora, a eleição para o Congresso, ela significou um... uma volta à direita, digamos assim. Então houve uma volta generalizada e hoje o núcleo duro do bolsonarismo, que são três partidos que apoiam e apoiaram, faziam parte da coligação do... Bolsonaro, eles agora têm 36% do Congresso e, mais importante, ambos são...
nas duas casas do Congresso, são o maior partido. O PL, que é o partido do presidente da República, é o maior partido nas duas casas do Congresso. Então isso significa que eles... eles terão a presidência das casas. Como elas são gatekeepers, elas controlam muita coisa, desde pedido de impeachment, etc., isso é crucial. Então, a situação é muito adversa para o Lula, mas não significa que vamos enfrentar um cenário peruano.
Não é assim tão extremo. É adversa porque estará em franca minoria na sua coligação e ele terá que construir apoios. com setores de centro, e ainda eu não vejo dificuldade em construir apoios com o PSD, que é um partido de centro no Brasil, e um partido de centro-direita, que é a União.
Brasil, que é outro partido. São tantas as siglas que eu imagino que para qualquer observador internacional seja uma sopa de letras inteligível. Só um caso anedótico interessante, o PSD que o professor Marcos Mello citou. partido de Gilberto Kassab, que foi prefeito de São Paulo, numa entrevista uma vez, perguntaram qual a tendência ideológica do PSD e Gilberto Kassab respondeu, nós somos um partido nem de esquerda, nem de direita, nem de centro.
Isso é muito interessante porque ele inventou uma nova categoria na ciência política. Mas resume bem o que são a maior parte desses partidos do centrão, que não são nem direita, nem esquerda, nem centro, e em geral tem uma propensão a compor com o incumbente, para usar a expressão dos cientistas políticos.
Que é provavelmente aquilo que... Diga, diga, força. Não, então eu não vejo dificuldade em compor com esses grupos, mas dada a imensa fragmentação, provavelmente sem paralelo no mundo... do legislativo brasileiro, mesmo juntando essas duas forças que são partidos no contexto brasileiro de um razoável tamanho, não será suficiente, por exemplo, para...
para garantir a aprovação de mudanças constitucionais, de projetos de emenda constitucional, como, por exemplo, aqueles que envolvem aumentar... fazer alguma mudança na Suprema Corte, ou até reformas econômicas, dado que tudo no Brasil é um pouco constitucionalizado, tudo acaba passando por essa... Em outras palavras, exigindo mudança na Constituição. E para fazer isso, terá que haver...
apoio dos partidos do hardcore, digamos assim, bolsonarista. Então, de uma certa forma, significa que o Legislativo será um ponto de veto muito importante aí. não necessariamente produzirá uma situação caótica, porque eu acho que esses dois partidos de centro poderão equilibrar, mas... Enfim, o presidente Lula operará num espaço político muito constrangido, muito restrito.
Esses são os desafios da governação, mas antes de haver a governação é preciso primeiro assegurar a transição, não é? E nesse capítulo ainda estamos a tentar perceber o que é que se pode passar. Andrés Malamudo, não sei se me está a ouvir, mas... Pronto, eu gostava precisamente de lhe perguntar a propósito deste silêncio de Jair Bolsonaro. Não houve discurso ontem à noite, não houve qualquer sinal em público de aceitação da derrota. O que é que antecipa que possamos esperar?
do ainda presidente nos próximos dias. Uma amiga brasileira dizia ontem o pior já passou. Agora falta o mais difícil. E essa é a questão. A eleição está feita. O governo... Está derrotado. Mas agora é preciso perceber exatamente o que é que vai acontecer. Não sei se perdemos de novo a ligação. Andrés?
Acho que sim, está complicado. Eu creio que o André está na Argentina, não é? Sim, está em Buenos Aires. Esta ligação a Buenos Aires hoje não está fácil. Está a perder-se ali algures pelo Brasil. Marcos Melo, se calhar a mesma pergunta para si, não é, Cátia? Querias colocar também a mesma questão. Sim, sim, sim. Eu acho que esse resultado e as expectativas contrárias a ele foram um pouco exageradas, elas foram magnificadas.
sem muito fundamento. E isso foi produto, eu acredito, da polarização. A polarização muito exacerbada levou a uma certa inflação. da magnitude de ameaças, etc. Então a minha expectativa, isso foi, por exemplo, em 2018, muitos analistas esperavam alguma... alguma autocratização, algum processo de autoritarismo imediato no governo Bolsonaro. Naquela ocasião, escrevi muitas colunas e coisas alertando para esse exagero. Nada autorizava a perspectiva de que haveria...
de uma erosão grave, muito menos um golpe. Poderia haver uma erosão de longo prazo. O governo poderia ser péssimo, como foi em várias áreas setoriais, um desastre no meio ambiente, na educação, etc. Mas virar uma autocracia como se esperava me parecia inteiramente desproporcional. Mas os receios de agora foram em alguma medida também alimentados pelo próprio Jair Bolsonaro, não é?
Tendo alguns encontros, dizendo algumas coisas, não afastando todo o cenário de poder não aceitar os resultados. Não, isso não tem a menor dúvida. Mas há uma grande distância entre a retórica... hiperbólica de um líder populista e o que ele efetivamente pode fazer. Então, o que aconteceu foi que ao longo do mandato... particularmente no segundo ano do mandato, o Bolsonaro teve que, de fato, se ajustar à estrutura institucional.
Enfim, montar uma base parlamentar, etc. E abandonou uma parte importante daquela... daquela retórica e, ao mesmo tempo em que muitos protagonistas daquela retórica exacerbada, todos eles saíram do governo. o ministro da Educação, o ministro das Relações Exteriores, que eram figuras quixotescas da sua retórica. Todos eles... saíram do governo e emudeceram. Então, mas nesse contexto, como é que devemos olhar para este silêncio? Era expectável que o presidente Bolsonaro tivesse vindo ontem?
Reconhecer os resultados, ou então contestá-los, qualquer coisa. Mas este silêncio, um palácio de alvorada a meia-luz, nenhuma movimentação a não ser daquelas que se foram conhecendo. Falou com o Damares, falou com o vice. Como é que devemos olhar para isto? O que é que Bolsonaro está neste momento a fazer, na sua perspectiva? Pois é, eu acho que ele deve estar decidindo qual narrativa vai adotar. Ele precisa de uma narrativa de saída.
um ticket de saída para essa situação e provavelmente ela será, me parece, no sentido de uma vitimização. Ele vai dizer que foi vítima do STF, do TSE. da mídia e etc. Haverá, acredito, muita contestação, ele provavelmente vai entrar na justiça.
pode criar eventos que possam até degenerar em algum tipo de ação violenta e protestos grandes, mas, ao fim e ao cabo, eu acho que a probabilidade de haver alguma... alguma resistência violenta, uma resistência efetiva, e não uma, digamos assim, uma manifestação... exagerada e até uma insurreição, tipo o janeiro... Tipo invasão do Congresso, não é? 6 de janeiro, no Capitólio.
Nos Estados Unidos. Exatamente. Algo daquele tipo, eu não descartaria, mas o resultado não seria diferente. Ou seja, as pessoas provavelmente irão para a cadeia, ou iriam para a cadeia, caso acontecesse, após algum tempo. Como é que podemos olhar para esta possível postura de vitimização de Bolsonaro?
numa noite eleitoral em que vários aliados de Bolsonaro apareceram em público um pouco a deitar água na fervura. Tivemos Sérgio Moura a garantir que ia fazer oposição, tivemos Tarcísio de Freitas a dizer que vai colaborar com o governo. Não sei muito bem como é que Andrés Malamute, como é que vê, acho que já está aqui connosco agora, como é que vê esta, há aqui uma desintonia dentro do bolsonarismo neste momento? Ah, essa é a questão. O bolsonarismo, para ficar...
Mas não necessariamente aqueles valores que ele defendeu, o povo que ele representou, vai continuar. Mas já não precisam dele, já não precisam do Messias, do mito. Porque... Tem força suficiente e tem representação institucional. Tem maioria, melhor, primeira minoria no Congresso. Tem muitas governações. E tem o povo que está empoderado na rua. Portanto, podem dar-se o luxo.
de prescindir do líder que unificou este conjunto de valores. É como o Trump e o Trumpismo. O Trump, por enquanto, é forte nos Estados Unidos, mas mesmo que ele desapareça, o Trumpismo está para ficar. Queria fazer uma pergunta para o Andrés e para o Marcos, e que tem a ver com a reconfiguração de forças depois da eleição. Depois de toda a eleição, você tem uma mudança ali no tabuleiro de xadrez. Então ficou claro que Lula é um vitorioso, claro, ele virou...
tornou presidente da República pela terceira vez e lidera a esquerda. Não sei o quanto isso é bom para a esquerda, mas ele é o líder da esquerda. Sobretudo para o futuro, não é? Sobretudo para o futuro, não é? E houve uma vitória também da centro-direita, que apoiou Lula e acabou sendo fiel da balança, embora seja menor que a direita bolsonarista, claro. Mas é uma direita que saiu fortalecida com Simone Tebet, com as vitórias...
de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul e de Raquel Lira em Pernambuco. Então vai se estabelecer como um polo que vai disputar a hegemonia com o bolsonarismo. E o bolsonarismo teve sua vitória também. Ganhou em São Paulo e Jair Bolsonaro teve uma votação muito grande. Minha pergunta é a seguinte.
é como age Bolsonaro de acordo com isso e há duas doutrinas. O professor Carlos Pereira tem defendido a doutrina do ator político racional. Ou seja, Bolsonaro vai reconhecer a derrota logo, segundo Carlos Pereira. porque ele vai emergir forte para disputar a liderança nas direitas e chegar em 2026 forte. E a doutrina do professor Miguel Lago...
que escreveu um livro e deu várias entrevistas. Ele acha também que Bolsonaro vai admitir a derrota, mas ele vai deixar que aconteça algum tipo de confusão para manter a base energizada e só depois vai admitir a derrota. saber do professor Andrés e do professor Marcos o que eles acham que vai acontecer. Vai ser um reconhecimento rápido ou vai acontecer a fusarquinha que de uma certa maneira mantém a base unida e é uma característica forte do bolsonarismo.
É uma boa pergunta porque a questão no Brasil é quem é que representa o futuro. O que estamos a ver no resto da região é que os partidos que ficam para trás dificilmente voltam. E no Brasil, no entanto, o que estamos a ver é um regresso do passado. E isto não estou a fazer crítica. E o próprio Lula, quando perguntava o que ele pensava fazer com a economia, dizia o que já fiz. E o que ontem disse é vamos acabar com a fome outra vez.
Outra vez, e a minha pergunta é, pode Bolsonaro tornar-se o futuro, quer dizer, tem o passado ainda mais vidas no Brasil? Nós vemos que Petro na Colômbia, Castillo no Peru. Boric no Chile não são garantias de governabilidade, mas são novidades, são coisas novas. No Brasil não vemos as coisas novas. E há um...
Um livro do Pablo Stefanoni, que é um sociólogo argentino, que fala de que a rebeldia no mundo hoje é da direita. No passado, a direita era o establishment, era aquilo que estava, o status quo. E a esquerda era a rebelde. Agora é o contrário. A pergunta é, Bolsonaro vai conseguir ainda ele encarnar aquela rebeldia enquanto a esquerda o que tenta fazer é voltar o que já foi bom? Isso eu não sei.
Mas o Brasil, neste sentido, está a parecer diferente do resto, não estamos a ver a juventude, não estamos a ver, exceto, o que o senhor Gabriel acaba de mencionar, se é o futuro, Simone Tebet, aquele UPMDB que já foi, que já teve um grande passado. a regressar com candidaturas novidosas. A grande novidade desta eleição foi se calhar a Tebet mais que Lula ou Bolsonaro. Marcos Melo, também tem uma resposta para esta pergunta?
Olha, eu concordo integralmente com a análise do Andrés. A rigor, o PT sai muito desgastado. das eleições e isso já vem de 2018, não é da agora. É um partido envelhecido. inclusive do ponto de vista da renovação de lideranças, não há renovação. O partido cresceu agora um pouco, mas ao mesmo tempo a sua representação congressual é muito frágil. Por exemplo, há um hiato muito grande entre o voto em Lula e o voto no PT. Aqui em Pernambuco, o Lula teve pouco mais de 70% dos votos.
Mas dos 25 deputados federais de Pernambuco, o PT só elegeu um. Um em 25, em um estado em que Lula teve... Isso não se... Isso não se restringe a Pernambuco. Se for para outros estados nordestinos, como, por exemplo, o Sergipe, A esquerda, não é nem o PT, não elegeu nenhum deputado. Quase todos são da bancada do bolsonarismo puro, do bolsonarismo duro. Isso também no Nordeste. Em Alagoas e na Paraíba, onde Lula também teve... a votação acima de 70%, a delegação do PT é muito, muito minoritária.
Estamos falando de pouquíssimos deputados. Em outras palavras, não houve renovação legislativa importante. O PT cresceu um pouco, mas ele cresceu em estados muito... marginais no contexto geral do Brasil. Por exemplo, um estado onde cresceu muito, tem uma delegacia bem razoável, é o Piauí, que é o estado mais pobre.
E um Estado muito pequeno, tem 3 milhões de habitantes apenas. Então, como partido, o PT se debilitou muito. E não há lideranças que possam adivir desse campo. Elas estão localizadas. fora do campo da esquerda. E a menção à Simone Tebet foi muito feliz por parte de Andrés, concordo plenamente. São lideranças como ela ou... lideranças à direita dela, no bolsonarismo não cacofônico.
no bolsonarismo mais contido, pelo menos do ponto de vista retórico, que é esse que figuras como o Tarcísio Freitas, que é o novo governador de São Paulo, representa.
O que aconteceu em São Paulo não é trivial, porque São Paulo ter elegido um carioca que fala, inclusive, com sotaque carioca... vítima de centenas de memes com guias turísticos para ele se mover em São Paulo e se elegeu com uma diferença grande 11% me parece que Por isso que eu concordo com o André, será na centro-direita, numa direita radical, digamos assim, mas sem essa retórica hiperbólica.
pessoas como Tarcísio, ou Zema, que vem de outro campo, mas também se situa como candidato de direita, que poderão, que são enxergados, eu acho que pela população, como futuro. Esse campo recebeu, afinal de contas, metade dos votos na eleição. E é um campo que foi majoritário em quatro das cinco regiões brasileiras. Um dado interessante só de faixa etária...
O Lula se cercou de vários políticos da chamada geração 78, geração da redemocratização. Então é interessante que ele recebeu o apoio de Fernando Henrique, nonagenário, José Serra, octogenário. Recebeu o apoio de José Sarney, também nonagenário. Essas figuras, elas são importantes para conseguir ajudar alguma governabilidade? Eu queria perguntar isso ao Andrés Malamude, porque eu sei...
que ele escreveu e estudou muito o caso de José Sarney no Brasil. Eu estou com algum problema de conexão, mas se percebi bem, sou o Gabriel, a pergunta é... Foi, foi sim. Sim, favorece por enquanto, porque o Brasil continua a ser um complexo de interesses estabelecidos. O Brasil é um transatlântico, disse Lula alguma vez, é muito difícil de virar rapidamente. E as revoluções são lentas.
No Brasil, no resto da América do Sul, acontecem com muita mais rapidez. A minha prevenção, a minha dúvida, é se não irá acontecer no Brasil também. Onde que está toda esta juventude, toda esta insatisfação, toda esta raiva? Por enquanto, o que vemos... as pessoas não estão satisfeitas com o que está acontecendo, mas não estão a explodir. E a minha pergunta é, consegue o psiquiátrico impedir a explosão? Consegue que...
que a sociedade fique em casa e não saia para a rua. Por enquanto, essa minha dúvida, onde está a juventude brasileira? Sem juventude não há revolução. Porque se não vemos revolução, porque não vemos a juventude. Mas quanto é que isto pode aguentar? Com uma economia que está estagnada. Se calhar, pode. Mas em algum momento o seriátrico acaba, porque a biologia define. E então, quem é que ela vem? Daqui a 10 anos, quem é que estará governando o Brasil, que devia estar se preparando agora?
Esta é a pergunta que eu me faço numa eleição que parece ter definido muito, mas para mim o que isto é é um terreno. A vitória de Lula é um terreno, não sabemos para onde. Cátia, querias colocar também uma pergunta? Sim, sim, não sei se me estão a ouvir agora. Perfeitamente. Sim. Foi interessante, nós vimos várias eleições recentemente noutros países da América Latina com um grande regresso de forças de esquerda, que aliás...
Vários desses presidentes, Colômbia, Argentina, etc., felicitaram logo muito rapidamente Lula da Silva ontem. É curioso porque há esta reação da esquerda latino-americana quase como... vendo aqui o regresso do filho pródigo, o regresso da esquerda ao poder no Brasil, mas este será um governo de Lula...
aparentemente, muito menos à esquerda do que os governos anteriores dele, embora se calhar aqui com algumas semelhanças com o seu primeiro mandato. Mas eu gostava de perceber aqui a opinião do professor Marcos relativamente a isso. Vamos ter muita influência de Alckmin? Vamos ter muita influência de Tebet? Ou ainda haverá aqui uma resistência do PT em tentar provar que foi a esquerda que foi eleita? Excelente pergunta, não é?
O PT tem dificuldade, eu acredito, em renovar a sua agenda. Eu vou dar dois exemplos disso. indagados sistematicamente e continuamente sobre a opinião do partido. e dele próprio, Lula sempre se negou a condenar as ditaduras de esquerda na América Latina, a Venezuela, Daniel Ortega, etc. Então, esse é um exemplo de uma certa dificuldade, algo que o Boric, por exemplo, não tem. Isso é um exemplo. Na área econômica também, o Lula tem dificuldade em fazer isso.
Para haver uma renovação importante, isso seria necessário. Então, eu não vejo muito espaço, muita maleabilidade por parte do PT de mudar radicalmente a sua... Isso, a sua agenda e modo de pensar em relação a temas críticos. E isso é crucial. A forma como Lula e o PT enxerguem essa vitória... vai ser fundamental para o que virá depois. Se eles passam a enxergar de uma maneira majoritária, não com uma vitória de uma frente ampla, porque na realidade o Lula...
Ele foi eleito muito em função da rejeição do Bolsonaro por muitos setores antipetistas, que rejeitaram Bolsonaro menos do que ele próprio. Então, se ele enxergar isso como um mandato que ele foi investido, será uma tragédia. Ele, no seu discurso de vitória, ele sinalizou algo mais amplo. Mas é preciso ver, vamos esperar e ver se esse anúncio, essa nova narrativa de vitória de uma frente ampla, etc., que eu acho que... Ela é muito auspiciosa, alviçareira.
que ela na prática vai se realizar. Essa é a chave da questão. Só também falando do dado pitoresco que eu sempre coloco aqui. Vários memes circularam, né? O Brasil é um dos campeões mundiais de meme, faz meme melhor do que joga futebol hoje em dia. Mas um meme interessante era dois amigos petistas num boteco.
Aí um falava para o outro, ah, eu me tornei petista com Lula. E você, você se tornou petista com Lula ou com Dilma? Ele falou, não, eu me tornei petista com Bolsonaro. E isso é muito interessante que a gente viu muita gente que declarou voto em Lula, como João Moeira. e vários economistas liberais que falaram, é o meu primeiro voto no PT, eu nunca tinha votado no PT, mas agora eu voto porque do outro lado está o Bolsonaro, que é um pouco esse fenômeno aí que o Marcos Mello falou.
Nós tivemos, aliás, há conversa aqui com a Helena Landau, no Café Brasil, e ela dizia, eu já decidi isto, já depois da primeira volta, e dizia, eu vou votar contra o Bolsonaro, e não em Lula da Silva, eu vou votar contra o Bolsonaro. Andrés, Marcos, nós aqui no Café Brasil entregamos sempre uns prémios, entregamos uma água de coco para uma coisa boa, um prémio de 7 a 1 para uma coisa má e um fala sério, que eu naturalmente como portuguesa de Portugal não sei dizer.
como o João Gabriel de Lima, que vai dizer agora... Fala sério! Isso mesmo, para o ridículo da semana. Eu convidava-vos a participar nos que temos para entregar esta semana. Vamos começar pelo perder de 7 a 1. Vamos ao Prémio Mau. Cátia, vais entregá-lo a alguém que também já tinha recebido aqui um 7 a 1. É verdade e o que vamos fazer hoje é só a concretização daquilo que já tínhamos anunciado há umas semanas. Falámos da campanha para a eleição de governador do Rio Grande do Sul.
com Onyx Lorenzoni, conhecido apoiante de Jair Bolsonaro, a fazer uma campanha no mínimo lamentável, contra o facto de o seu adversário do PSDB, Eduardo Leite, ser gay assumido. E dizia à campanha de Lorenzoni, bom, se quiser ter primeira-dama no Estado, vote em Onyx. Ora, parece que os habitantes do Rio Grande do Sul não querem ter primeira-dama, estão bem com o Eduardo Leite sem primeira-dama ao lado e, portanto, o Onyx perdeu de 7 a 1, foi derrotado nessa eleição.
larga margem. Há sempre uma espécie de sensação de justiça, não é? Não sei se tinham percebido desta campanha no Rio Grande do Sul, Marcos, Andrés? Sim, só um comentário. falava antes da falta da visão do futuro, temos aí um candidato, Eduardo Leite, governador reeleito, que é provavelmente um dos líderes brasileiros que prometem. O PSDB é um partido que sofreu uma tremenda derrota nesta eleição, mas tem ainda aí uma pessoa, num Estado importante, que é bem governado, que ganhou uma eleição.
simbolicamente importante, não só eleitoralmente, mas simbolicamente. Defendeu os valores e venceu. Marcos Melo e Eduardo Leite ainda podem ser uma terceira via, sempre falada terceira via que nunca aparece no Brasil. Sim, pois é, eu acho que a extraordinária polarização, ela teve esse efeito de haver, vamos dizer assim, fechado ou consolidado as duas... candidaturas em polos opostos, inviabilizando o centro. A polarização foi isso.
Inclusive toda aposta de muitos setores de centro era no Eduardo Leite, a ponto dele se desincompatibilizar do cargo de governador. É interessante que ele é o primeiro governador reeleito da história do Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul é tão oposicionista que sempre vota na oposição. Ele é o primeiro que consegue se eleger e, a meu ver, porque fez um governo...
Tecnicamente excelente. Foi exemplo de combate à pandemia. Eu acho que temos aí um nome jovem interessante na centro-direita não bolsonarista. 171 para Onyx, vamos entregar agora uma água de coco. Não é para uma pessoa, João Gabriel de Lima, é para uma urna. Exatamente. Tem um livro famoso no Brasil, do Afonso Celso, que se chama Porquê Milfano do Meu País?
E é cada vez mais difícil para os brasileiros se ufanarem de alguma coisa. O país está tão embaixo, é um momento tão complicado. Mas se há um motivo de orgulho para o brasileiro, o brasileiro é patriota. Estou aqui em Portugal, os portugueses não aguentam mais o brasileiro. Sempre ficam falando bem das coisas do Brasil. Sempre são boas, de verdade. Mas se há uma coisa boa no Brasil, a urna eletrônica é inacreditável. 158 milhões de eleitores no mundo inteiro. Você tem...
Três ou quatro horas depois da eleição, o resultado proclamado, sem dúvida, sem problema. Nunca houve fraude na urna eletrônica brasileira. Esse é o grande motivo, uma água de coco para o grande orgulho do Brasil, que se chama urna eletrônica. argumento, Andrés Malamud, que Bolsonaro chegou ali a tentar ensaiar, de colocar dúvidas sobre o voto eletrónico, na verdade nunca pegou a sério no Brasil, não é? Nunca. O interessante é que Bolsonaro...
Tem bons argumentos, porque internacionalmente a ordem eletrônica não pega. São três países no mundo que têm ordem eletrônica. Os outros desconfiam, na Europa não se utiliza. E países que já tiveram voltaram para trás, porque não conseguiam garantir. O anonimato, porque temiam que outro país definisse as suas eleições. A Rússia, especificamente. No entanto, no Brasil...
Funciona, é um sucesso massivo e, portanto, como disse João Gabriel, a gente tem que reconhecer isto. O argumento teórico é contra. Eu dou também um copinho de água de coco porque permitiu-nos dormir, esta urna eletrónica permitiu-nos dormir pouco, mas algumas horas e sem ela não sei como é que teria sido esta noite. Só falta o Prémio Ridículo. Vamos ao? Ao Prémio Fala Sério.
Vou ser muito rápida, queremos unanimemente entregar o prémio Fala Sério. Não sei se viram isso, Andrés e Marcos, mas Jair Bolsonaro a falar com um jornalista português, o Pedro Sagerra, correspondente da RTP. Rio de Janeiro, ele colocou-lhe uma pergunta que era um bocadinho chata, que era como os líderes estrangeiros estavam a olhar com preocupação para o resultado das eleições e ele respondeu que não fala espanhol nem fala portunhol.
coisa um bocadinho desagradável, nem é para o Pedro sair à guerra, porque é para o lado que ele dorme melhor, só significa que a pergunta era certeira. Para nós, vá, para os portugueses que falamos português É assim tão difícil perceber-nos que parece que falamos espanhol Marcos Que barbaridade. Nossa. Na verdade o caminho ridículo também podia ser que barbaridade, não é? É assim, aconteceu numa conferência de imprensa e de facto não ficou muito bem, não ficou muito bem.
É mais uma gafe de Jair Bolsonaro. Ele coleciona vários ao longo do seu mandato. Várias gafes assim. Acho que é um bom fala sério para entregar no final do Café Brasil, que é o nosso último Café Brasil, terminadas as eleições. Enfim, vamos ver o que é que isto... acontece já no futuro nós vamos terminar com uma música, terminamos sempre, é sempre DJ de Lima, João Gabriel de Lima que escolhe a música, João vamos ouvir já falamos um bocadinho sobre a razão desta música hoje, Chico Buarque
É um contexto interessante que essa foi um pouco a vitória da geração 78, já que Lula se juntou com Fernando Henrique, com Serra, com José Sarney, com as pessoas que lutaram pela redemocratização. do Brasil. É a questão geriátrica que fala aqui o Andrés Malamude, mas, por outro lado, é uma geração que teve um tremendo valor e, de uma certa maneira, os seus seguidores também acabaram apoiando, como a gente viu Helena Landau, os economistas liberais. . . .
E é também um samba lindo, um samba-enredo do Chico Buarque, que eu acho que é ótimo para encerrar. esse momento Café Brasil. E para encerrar, o Café Brasil, propriamente dito, Marcos Melo, Andrés Malamudo, muito obrigada por terem estado connosco no episódio de hoje e João Gabriel de Lima, Cátia Bruno, foi um prazer imenso ter conversado convosco ao longo destas semanas.
campanha e de eleições. Nós não voltamos na próxima semana aqui na Rádio Observador, mas pode ouvir-nos sempre que quiser em podcast. E o Espírito Santo por levar Meu Deus O estandarte do sanatório geral vai passar Ai que vida com o olere, ai que vida com o olara O estandarte do sanatório geral vai passar