ご視聴ありがとうございました No fim do século XIX, um homem italiano juntou as poucas coisas que ele tinha e saiu de casa sem data pra voltar. Ele foi para o porto e embarcou em um navio para cruzar o Oceano Atlântico. Uma decisão que ia mudar a vida dele e a de muita gente que veio depois. O nome dele era meio difícil, então deixa eu me concentrar aqui pra falar direitinho. Pros Dóximo Guerra. O prosdóximo não era famoso e não deixou nenhum registro por escrito do que aconteceu durante aquela viagem.
Então, tudo que se sabe é o que foi sendo contado de geração em geração, que também não é muita coisa. Mas um detalhe chamou a atenção da família a ponto de sobreviver ao teste do tempo. O fato de que o navio teria feito uma parada não muito comum no meio do caminho. Mais especificamente nas pequenas ilhas de Cabo Verde, na África. E eu digo que teria feito uma parada, porque apesar de ter tentado, eu nunca consegui confirmar se isso aconteceu mesmo.
Mas enfim, segundo a família, quando o prosdóximo chegou em Cabo Verde, ele teria ido até uma igrejinha perto do porto. Faz sentido, né? Teria ido lá provavelmente pra rezar pra que o navio não afundasse e ele não ficasse preso ali. E no fim, deu tudo certo. O prosdócio não conseguiu chegar até o seu destino, que era o Brasil. A família cresceu. Vieram os filhos, os netos, os bisnetos e a vida foi seguindo.
em grandes eventos. Até que numa noite fria e chuvosa de outono, no interior do Rio Grande do Sul, Um dos bisnetos do Prosdóximo ouviu a campainha tocar. E quando ele chegou na porta... Ele deu de cara com um bebê recém-nascido, que parecia ter poucas horas de vida, dentro de uma caixinha de papelão. Aí meu pai me trouxe para minha mãe dizendo que alguém tinha deixado um presente para eles. 네 알아요. Esse é o Daniel, o trineto do Prosdóximo.
E a vida dele definitivamente não foi fácil. Eu tive um câncer com 18 anos de idade aqui e daí o ano passado, esses furos aqui que eu tenho, eu tirei 10% do rim num segundo câncer. Eu perdi a conta de quantas vezes eu conversei com o Daniel para esse podcast. E eu sempre fico impressionada com a capacidade dele de falar sobre uma experiência horrível e terminar dando risada. Com 18 anos, então, você teve... É, 18 anos eu tive um carcinoma embrionário. E agora, com 41, eu tive um câncer de rim.
Mas tô curado dos dois. Sério? Você passou por muita coisa. Muita, muita coisa mesmo. Mas no sofrimento que a gente aprende mesmo. Quando não se aprende de boas, se aprende por mal. E o Daniel realmente aprendeu no sofrimento. Depois do câncer, no primeiro câncer no caso, ele teve um estalte. Eu falei, pá, já quase morri com 18 anos.
E depois dali, isso foi toda uma motivação, um incentivo pra mim conhecer o mundo depois. E conhecer o mundo foi exatamente o que ele fez. Ou pelo menos tentou fazer. E ali que começou toda a aventura. Foi, de fato, uma aventura. E esse podcast é justamente a história dessa aventura. Que começou quando o Daniel decidiu que queria cruzar o oceano de barco. Exatamente como o trisavô dele tinha feito. Só que no sentido contrário. Do Brasil pra Europa.
E que terminou com ele e outros dois brasileiros ficando pelo meio do caminho, justamente nas ilhas de Cabo Verde, as mesmas que o prosdóximo teria visitado mais de 100 anos antes. Mas se o trisavô do Daniel aproveitou pra conhecer uma igreja, no caso do próprio Daniel, o destino foi outro. A prisão. É que ele e outros dois brasileiros foram presos depois que a polícia encontrou mais de uma tonelada de cocaína escondida no barco em que eles estavam.
A história saiu até no Jornal Nacional. A justiça de Cabo Verde, na África, condenou três brasileiros por tráfico internacional de drogas. Só que tinha um problema. Eles eram inocentes. Eu falei, não acredito, o cara não acredita. Só chamava o Fox de filha da p***. Eu tava indignado da cilada que eu caí com esse cara. Esse cara, o Fox, era o dono do barco.
Fox, aliás, significa raposa em inglês. E o Fox era um britânico de trinta e poucos anos que disse pra eles que era um ex-oficial da Marinha Britânica e que tinha, inclusive, participado da Guerra do Afeganistão. Foi o Fox que contratou os brasileiros para levarem o veleiro dele de um continente para o outro. O fato de que tinha uma tonelada de cocaína escondida no casco, claro, não fazia parte do contrato.
Ele parecia ser um cara correto, educado. Era tudo uma questão de confiança. E o Fox passava essa confiança. Depois que a droga foi encontrada, o Fox nunca mais deu notícia. Você sabe onde o Fox está agora? Não, não tenho a menor ideia. Até hoje eu não tenho mais notícia. Não sei o que aconteceu.
Não tenho ideia. Eu gostaria muito de ver a justiça ser feita mesmo. Só isso. Mas como é possível que em uma época em que todo mundo está a um Google de distância e depois de toda a repercussão que esse caso teve, o Fox tem a conseguido simplesmente sumir do radar da polícia por tantos anos. Dependendo da interação que ele tem com outras pessoas, pode facilitar muito a capacidade dele de transitar entre países, mas mas nós não podemos dizer também que ele vai ser o homem ali para sempre.
Cristine Kist Esse é A Raposa, um podcast da BBC News Brasil, que investiga a história de jovens brasileiros que foram presos em um país que não conheciam, depois de terem confiado em um homem que eles achavam que conheciam. Um homem que, segundo a polícia, seria o responsável por arquitetar um esquema milionário de tráfico de drogas do Brasil para nunca respondeu na justiça pelos crimes dos quais ele é acusado. Episódio 1. Marinheiros de primeira viagem.
O caso dos velejadores repercutiu muito no Brasil na época em que eles foram presos, com direito a reportagem especial de quase 15 minutos na TV. Mistério no Oceano Atlântico. O Fantástico investigou a história de três velejadores brasileiros que acabaram presos na África, acusados de tráfico internacional de drogas. Eu até lembrava vagamente de ter visto ou lido algumas reportagens sobre essa história. Mas nunca mais tinha pensado nisso.
Até que no início desse ano, o Joe, produtor desse podcast, veio falar comigo. Eu troquei algumas mensagens com um dos tripulantes, mas não sei porquê, mas ele... Paro? Czy responde? Same. Como deve ter dado para perceber, o Joe é britânico, mas fala português. É que ele morou no Brasil mais de 15 anos atrás para dar aula de inglês em São Paulo.
Em parte por isso, quando ele leu uma reportagem em um jornal aqui da Inglaterra sobre o caso de brasileiros enganados por um britânico, ele logo ficou interessado. O texto dizia o seguinte. Os tripulantes do navio foram condenados a 10 anos de prisão cada um, e a própria cocaína foi imediatamente queimada. Mas, embora o resultado da operação da polícia tenha sido impressionante, o maior alvo escapou, o suposto proprietário do IARC.
Um britânico chamado George Sow. Só que tem uma coisa. Essa reportagem é de 2019. Ou seja, faz cinco anos que o Joe tá querendo contar essa história. E ele até tentou falar com os brasileiros por conta própria. Mas digamos que não deu muito certo. E também tentei, entrei em contato com outro tripulante. E ele ficou meio desconfiado. Perguntei quem é você
Como eu posso saber que você trabalha para o BBC, que você realmente é jornalista, também ele não queria falar comigo e eu não sei exatamente porquê. Mas ele ficou desconfiado, provavelmente. Eu acho que sim. Bom, foi assim que eu vim parar aqui. E é por isso que volta e meia vocês vão ouvir o Joe falando alguma coisa. Ou vão me ouvir falando com ele. Você acha que eu pareço ser mais confiável do que você? Eu acho que sim, mas você fala melhor português que eu. É verdade.
Quando a gente tava começando a trabalhar nesse podcast, a gente fez várias chamadas de vídeo com o Daniel. Mas sabe como é a chamada de vídeo? Você me escuta? Eu tô escutando você. Você tá escutando a gente? Agora sim. Daniel? Então, no início desse ano, a gente foi para o Brasil. E encontrou o Daniel pessoalmente. O Daniel está de camisa estampada e bermuda de surfista. E não fosse por alguns poucos cabelos brancos, ninguém diria que ele tem mais de 40 anos.
Já falamos muitas vezes, mas essa é a primeira vez que a gente Se encontra em Natal. Exato, onde tudo começou. Ele tá dizendo que foi onde tudo começou porque Natal foi a última parada do barco antes de sair do Brasil, sete anos atrás. E é por isso que a gente resolveu se encontrar lá.
Mas também daria pra dizer que tudo começou muito antes disso, no dia em que o Daniel decidiu que queria virar capitão. Eu até tinha pensado, sabe, em ser um empreendedor, um administrador, um advogado, um médico, mas isso... O que me trouxe a frustração foi estar entre quatro paredes.
E daí eu percebi que não era vida. E é um barco. É como o Cristóvão Colombo girou, veio pra cá e... em todas as Américas, isso é fantástico, vai e volta, isso era o meu sonho, poder me deslocar no mundo, através desses barcos, sem poder entender. ser um capitão do meu próprio barco, mas sim da minha própria vida. E pra realizar esse sonho, o Daniel foi estudar.
Ele fez um curso numa escola de vela no litoral de São Paulo e tirou um certificado. Depois disso, foram meses procurando uma oportunidade de cruzar o Atlântico. Até que em junho de 2017, ele deu de cara com o anúncio compartilhado no Facebook por um ex-professor. O anúncio dizia... Estamos à procura de dois tripulantes para acompanhar o capitão na entrega deste acto.
Na primeira perna, de Salvador para Natal, o dono vem para explicar completamente o iate. Em Natal ele sai, e de lá o barco vai para Açores. Bom, eu que não entendia nada desse mundo, nunca tinha ouvido falar nesse tipo de trabalho. Mas isso é, na verdade, super comum. Os donos fazem uma parte do caminho e depois não tem tempo de voltar e contratam alguém pra levar o barco pra casa. Faz sentido. Eu já tinha visto vários anúncios
Até eu fiz cadastros na Europa e no Caribe. E acabou não dando certo. Não fui chamado. E nessa sim, fui chamado. Que parecia sorte, né? O anúncio, na verdade, só tinha sido compartilhado pelo ex-professor. Mas, originalmente, ele tinha sido publicado por uma empresa europeia que faz essa intermediação entre os donos de barco e os possíveis tripulantes. Só que lembra que o anúncio dizia que dois tripulantes iam ser contratados?
Então, eu marquei de encontrar o Rodrigo, o segundo tripulante, em Salvador, no clube onde ele aprendeu a velejar. Ele veio me receber na entrada de regata e chinelo. E eu pensei que o tal do clube talvez fosse mais, digamos assim, humilde. Mas foi só passar pela porta pra perceber que eu tava errada. Tem uma pessoa nadando ali. Ali é o mar. E a gente tá vendo ele meio de longe. Porque o clube deve ter pelo menos uns três andares. E a gente tá no mais alto.
E você velejava por aqui ou em outro lugar? Por aqui. A gente sai do clube e toda essa baía aqui é perfeita para navegar no Macaulo. O Rodrigo tem 31 anos, mas parece ter no máximo uns 25. Justamente a idade que ele tinha quando foi preso em Cabo Verde. E vendo ele aqui nesse ambiente, é quase impossível imaginar ele numa sala apertada, em que um balde fazia papel de banheiro.
Enquanto a gente conversa, ele tira um chiclete do bolso e a carteira acaba saindo junto. E eu reparo que até na carteira tem um barco à vela. Bom, então, essa carteira aqui, ela foi feita lá na cadeia. Ela é de couro, costurada à mão. E eu achei ela muito legal, muito bonita. E eu encomendei vários. Eu trouxe para vários amigos meus desde presente.
Mas a minha especificamente, eu pedi pra ele fazer um desenho de um barco à vela na carteira. E é esse desenho que tá aqui. É curioso que você continua usando a carteira, tipo, todos os dias você carrega a carteira com você, uma carteira que veio de lá. É isso, faz parte da minha história, eu não penso que as coisas de Cabo Verde me trazem más memórias.
É claro que eu passei por muitas coisas ruins lá, mas muitas coisas que me fizeram crescer e ser uma pessoa melhor. O Rodrigo começou a velejar com 12 anos, por influência do pai, que é gerente de um negócio de aluguel de bar. Rodrigo sempre foi voltado para o Mar, sempre, sempre ele gosta de aventuras. Para mim, de aventuras cheias.
Esse é o João, o pai do Rodrigo. Ele tem 60 e poucos anos e é mais formal do que o filho. Sempre que a gente se encontra, ele tá de camisa polo, calça comprida e sapato fechado. Mesmo no calor de mais de 30 graus de Salvador. Como você se sentiu quando o Rodrigo foi selecionado pra essa vaga? Com susto. Eu estava torcendo, lógico, por isso. Mas eu sabia que esse momento ia chegar. But you're looking for a little rich harvest.
Colheita rica. Rich Harvest, que pode ser traduzido como colheita rica ou colheita farta, era o nome do barco. Um veleiro bem grande, com dois mastros. O Rodrigo entrou para a tripulação depois de ter visto aquele mesmo anúncio que o Daniel. E os dois queriam fazer a viagem pelos mesmos motivos. O primeiro deles, obviamente, era a aventura.
E o segundo era que para conseguir trabalho como capitães, eles precisavam ganhar experiência. Não é só tirar uma carteira e sair trabalhando. Além da carteira, a gente precisa ter milhas navegadas. Como para um piloto de avião, precisa ter horas de voo. É como a gente calcula a nossa experiência. É uma viagem que eu não ia ser remunerado, eu não tinha nenhum pagamento. Por isso a gente faz o trabalho em troca das milhas.
Quer dizer, além de tudo, eles ainda iam trabalhar de graça. E até aquele momento, tudo o que eles sabiam sobre o barco e sobre o dono do barco era justamente o que estava no anúncio. Ou seja, praticamente nada. Todo o nosso contato da contratação foi feito através da empresa. Então a gente nunca nem teve contato com o dono do barco até o dia do embarque.
A marina onde o barco estava fica bem isolada, a quase uma hora do centro de Salvador. E no dia do embarque, o Daniel e o Rodrigo viram o barco pela primeira vez. E o João fez questão de acompanhar o filho. Enquanto a gente conversa, ele tira o celular do bolso pra me mostrar várias fotos com o Rodrigo. Em uma delas, os dois aparecem abraçados
Mas não é aquele abraço protocolar de duas pessoas meio desajeitadas, posando pra uma câmera. É um abraço de verdade, com o João envolvendo o Rodrigo entre os braços e o Rodrigo com a cabeça apoiada no peito do João. A foto foi tirada justamente no estacionamento da Marina, antes de o Rodrigo embarcar. só que aqueles barcos antigos, muito antigos, aquela madeira escura, tudo lá dentro, assim, muito desarrumado, deu uma sensação meio até nebrosa.
Quando chegaram mais perto, os três finalmente encontraram o dono do barco pela primeira vez. Ele se apresentou pra gente. Ele se apresentou com o nome dele, George Sow. Mas pode me chamar de Fox. Foi a primeira coisa que ele falou. Eu nunca esqueço disso.
Bom, desde então a gente só chamou ele de Fox. Eu perguntei para o Rodrigo e para o Daniel se o Fox explicou de onde veio esse apelido, mas os dois disseram que não. Era um cara jovem na época, se eu não me engano ele tinha 33 anos, super jovem, super educado. pra sorridente, alegre. Mas quando eu peço pro Daniel me descrever o Fox, parece que ele tá falando de uma pessoa completamente diferente. Com um senhor de baixa estatura, loiro. Carinha de inglês mesmo.
O fato de que o Daniel chama o Fox de Senhor me deixa muito confusa. Primeiro porque o Daniel é dois anos mais velho do que o Fox. E segundo, porque em todas as fotos que foram divulgadas na época, o Fox aparentava inclusive ser um cara até que bem vaidoso. Em uma delas, uma selfie, ele tá vestindo black tie e sorrindo pra câmera. Passando uma energia meio figurante de filme do 007? Ele não parece nem um pouco um senhor. Mas ele é um cara, assim, quando a gente chega, ele tem uma alma...
velha, que transmite um senhor, assim, sabe? E daí, pelo fato dele ter trinta e poucos anos, mas a forma que ele conversa contigo, que ele fala assim, é de uma alma velha, sabe? Mas, em relação aos brasileiros que a gente chegou lá, que eram em Salvador, todos descendentes de africanos, e aquele senhor, no caso, Um rapaz baixo, loiro, típico inglês. Como o Daniel diz duas vezes que o Fox é um típico inglês, o Joe, que também é um típico inglês, quer saber exatamente o que seria um típico inglês.
Parecido com o David Beckham. Esse é o típico inglês. É, não sei se eu iria tão longe. Não, na verdade eu sei, eu não iria. O Fox e o Beckham não tem muita coisa em comum além do branco do olho. Mas, de qualquer jeito, no site da BBC tem fotos do Fox pra quem quiser tirar suas próprias conclusões. Mas o que importa aqui é que tanto Daniel quanto Rodrigo definitivamente foram com a cara dele. Falou do passado dele, que ele era da Marinha, da Inglaterra. Ele falou que...
Ele tinha ido para a guerra do Afeganistão e acabou tomando um tiro lá. Ele dizia que algum problema, um acidente de treinamento na marinha. e que ele se aposentou mais cedo da Marinha, e que ele trabalhava com vendas de propriedades de luxo. na Europa. Então, assim, ele realmente contou, assim, uma...
um pouco da vida dele. A gente tinha acesso à rede social dele, ao Facebook, via foto dele com a família, ele bem vestido, de propagandas de casas. Então, assim, tudo fazia sentido com o que ele contava pra gente. E a gente vê. Recapitulando, então. Até aquele momento, o que o Rodrigo e o Daniel sabiam sobre o Fox era o seguinte. Fox era só apelido. O nome dele mesmo era George Sol. Ele dizia que era um ex-oficial da Marinha que foi para o Afeganistão e foi baleado enquanto estava lá.
Mas não deixava muito claro se isso teria acontecido num acidente ou em combate. E depois disso, ele teria saído da marinha e virado corretor de imóveis de luxo. Como disse o João, ele realmente parecia ser uma pessoa acima de qualquer suspeita. O fato é que naquele primeiro dia da Marina, o Fox não estava sozinho no bar.
E ao chegar perto do barco, a gente percebeu que ainda tinha muita gente trabalhando no barco, porque o barco passou por uma reforma bem grande. E eu percebi que ele ainda não tinha terminado a reforma, ainda faltava muita coisa. O Rodrigo gravou vários vídeos durante a viagem. Os primeiros justamente nesse momento em que o veleiro ainda estava ancorado na marina. Em um deles, dá para ouvir o Fox dando uma bronca em um mecânico, que estava falando em português com o pessoal da reforma.
De um jeito que soa um tanto quanto passivo-agressivo, o Fox diz sorrindo que quando o mecânico quiser falar com alguém, é melhor que ele fale com quem está envolvido diretamente com o barco, em uma língua que ele consiga entender. Até aquele momento, o fato de que o veleiro estava sendo reformado não pareceu suspeito para o Rodrigo e para o Daniel. Até porque o Fox tinha uma ótima explicação para dar. Até então a história é que ele tinha também um sonho de atravessar o oceano.
que ele comprou um barco para realizar esse sonho. e que iria aproveitar essa viagem para fazer uma grande reforma no barco no Brasil. Ele veio com os amigos. mas que ele não gostaria de fazer a mesma viagem de volta. que pra eles seria mais confortável contratar uma tripulação pra mandar o barco de volta. Como o barco ainda ia levar uns dias pra ficar pronto, eles levaram o Fox pra almoçar em um restaurante de Salvador.
Eu fui até esse restaurante com o Rodrigo e o João. Então a gente tá aqui com a foto que vocês tiraram naquele dia. E era nesse lugar. Qual mesa você acha que é certa? Eu acho que é nessa fileira aqui, que deve ser essa mesma. A gente está vendo uma foto que o Rodrigo tirou no dia do almoço. Estão ele, o Daniel, o Fox, um mecânico e o João. Todos sentados sorridentes em uma mesa de bar. Dessas clássicas com marca de cerveja no tampo. Quem teve a ideia de tirar a foto? Ah, meu pai.
Você lembra, João, de ter pedido para tirar a foto? Lógico. Eu não estava totalmente relaxado, não. Eu estava relativamente tenso, porque era um acontecimento importante para acontecer. E o meu segundo instinto não era só para dizer assim, ah, eu vou ter lembrança, eu quero ter registrado, eu precisava ter imagens. My son went for a trip to Oceano. I need to know who was with him. And this photo was so important for the whole process. Why?
Porque é uma foto nítida de tudo, das pessoas participantes. Talvez essa tenha sido a foto mais importante. E todos. O que você acha que ela representa? Ou que ela representou? Não sei. Ele sabia que tinha algo errado. Eu não sabia que tinha algo errado. Mas isso representa... maldade. Essa foto também tá lá no site da BBC.
Ainda que o João acredite que o Fox sabia das drogas, o inglês nega envolvimento. Bom, um dia depois do almoço, o barco ficou pronto. E com o Fox no comando, eles finalmente saíram da marina. Mas aí... Acho que a gente andou a 50 metros do pier. O motor quebrou. Bom, não foi um início exatamente promissor, mas eles consertaram o motor e saíram para a primeira perna da viagem.
Como estava dito no anúncio, o Fox só continuaria a bordo até Natal. A partir de lá, um novo capitão chegaria para ficar no lugar dele durante a travessia do Atlântico. Em um vídeo gravado por um tio do Rodrigo, dá pra ver o barco de longe, saindo de Salvador, no meio de uma baita tempestade. Não deu tudo certo.
Saímos com a frente fria, um vento forte, onda grande. Logo na saída eu já passei mal. E durante um momento da saída, a água estava literalmente na tampa do porão. Um porão que cabe uma pessoa em pé dentro. A bomba do porão não estava funcionando. Então tava com água assim até o topo Esse foi o momento mais desesperador pra mim. No fim, o Fox tinha uma bomba reserva e conseguiu tirar a água do barco.
Mas nem esse momento, digno de Titanic, fez o Rodrigo desistir. Quando a gente se prepara para uma viagem, a gente sabe que existem muitos problemas que podem acontecer. A gente deve estar preparado para tudo, mas nunca para o que realmente aconteceu. O meu maior medo é afundar o barro. Não que a gente fosse preso.
Essa primeira perna da viagem durou coisa de três, quatro dias. Quando o veleiro chegou em Natal, ele ficou ancorado em um clube meio longe do centro. Eu decido ir até esse clube com o Daniel. Mas aí, no meio do caminho, eu percebo que eu tô sem meu celular. Acho que sim. Quer voltar lá? Quero. Moço, você pode voltar lá, por favor, da meia volta? A gente dá a meia volta. Lógico, até você deve ter deixado no quarto, porque não teve nenhum momento.
Uma música do Jota Quest começa a tocar no rádio. E, de repente, o Daniel está descrevendo tudo o que eu fiz naquele dia. no restaurante, pegar um café e consola um café conversando comigo ali. Eu não chego nada, mas fico meio curiosa Uma coisa que eu aprendi lá em Cabo Verde foi ser bom observador, sabe? Porque tu perde o sentido normal das coisas. E ele estava certo. O celular tinha mesmo ficado no quarto. Depois desse desvio de rota, a gente chega na marina.
Desembarcar eles aqui. É o pessoal da BBC de Londres. A minha sensação de voltar aqui não é das melhores, não. Sei que aqui começou uma das piores fases pra mim, né? Não é muito boa, não. E logo aparece um funcionário da Marina para falar com o Daniel. Olá, tudo bom? Daniel. Daniel, tô lembrado de você. Tá lembrado de mim? Aquele barco da tonelada. Eu me lembro. Aquele barco da tonelada. Bom, o funcionário se chama Edilson e trabalha na Marina há mais de 20 anos.
Eu pergunto se ele ficou surpreso quando descobriu que tinha uma tonelada de cocaína dentro daquele barco que passou vários dias ancorado ali onde ele trabalha. Ninguém nunca imagina que isso vai acontecer, mas graças a Deus foi provado que eles não tinham nada a ver. E tá de volta aí, né? Graças a Deus, já passou. Deu uma branqueada nesse cabelo, né? Você lembra do britânico que tava com ele também? Eu lembro, lembro.
Vagamente, né? Porque assim, o meu contato direto era mais com eles, que era brasileiro. O brasileiro era sempre mais no barco, né? Ah, ele ficava no barco, não saiu no barco. O Daniel confirma que o Fox passava a maior parte do tempo jogando videogame dentro do barco. Eles passaram mais ou menos 20 dias ancorados em Natal, esperando a chegada do novo capitão. E nesse meio tempo, o Daniel chegou a publicar uma foto com o Fox no Instagram.
Os dois aparecem sentados dentro do veleiro, o Daniel mexendo no leme e o Fox um pouco acima dele. Foi justo aqui na frente, quando eu fui botar o barco para abastecer. E ele me depositou uma confiança, que ele falou, cara, se falhar um próximo capitão lá em alto mar...
você tem que assumir, você tem a carteira de capitão, e você precisa se tornar um capitão. Então essa motivação de um dono do barco motivando a sua tripulação, em especial um novo capitão, isso me deu uma confiança danada para o resto da minha viagem. A legenda da foto que o Daniel postou era, abre aspas, a vida nos dá oportunidades irmãos. Muito grato pela chance, Fox. Então, agindo de boa fé, eu...
Eu imaginei que estava indo no caminho certo e com a pessoa certa. Só que eu errei em acreditar nas pessoas. Depois de um tempo, o novo capitão, que também era inglês, finalmente chegou. Mas aí, quando eles já estavam quase prontos pra sair... Eu me lembro bem, eu tava dentro da cozinha lavando a louça do café da manhã e o Daniel...
Chegou pra mim e falou Rodrigo, a polícia tá entrando no barco. Aí escutei eles, ah, documento, passaporte. Já peguei meu passaporte e subi. Entrou polícia federal, polícia da marinha, polícia militar, cão... Todo mundo armado. Parecia uma cena de filme mesmo, assim. Eu fiquei assustado um pouco. Mas apesar do susto, tanto o Rodrigo quanto o Daniel acharam que era só uma busca de rotina. Bom, foi minha primeira viagem internacional. Então eu imaginei.
quando a gente viaja no aeroporto, a gente passa por uma inspeção também, nossas malas, a gente passa pelo raio-x, bagagem, até mesmo alguns cães farejadores trabalham no aeroporto também. Então eu pensei, bom, é uma viagem internacional e eles estão vindo inspecionar o barco. Eu acho que é normal. Em um vídeo que o Rodrigo gravou, dá pra ver os policiais abrindo cada portinha do barco. Tava todo arrumadinho já pra sair. Mas depois de sete horas de busca... Nada foi encontrado.
E a gente pensou, bom, agora tá tudo tranquilo, não tem nada de errado. Então, a liberação da polícia foi como uma confirmação de que o barco estava limpo. Quais integrantes da tripulação estavam no barco nesse dia? Rodrigo, o capitão em inglês e eu. Ou seja, estava faltando alguém. Onde o Fox estava nessa hora em que o barco foi revistado pela polícia? Qual razão ele deu para vocês para não estar lá?
Bom, um ou dois dias antes, ele nos contou que teria que voltar pra Inglaterra para um casamento. Mas antes disso ele nunca tinha mencionado esse casamento? Não, não. Ele não tinha nenhum plano de voltar para a Europa que você soubesse? Que eu soubesse não, ele só nos comunicou, ó pessoal vou ter que me ausentar. para ir para a Europa para um casamento. E isso foi, digamos, uma quarta, quinta-feira, deu dois, três dias e ele retornou ao Brasil.
Quer dizer, quando a polícia entrou no barco, o Fox estava fora do país. E ele voltou poucos dias depois. Foi só o tempo de o Rodrigo e o Daniel arrumarem a bagunça que a polícia tinha feito. Bom, aí finalmente chegou o grande dia, a gente saiu de Natal. O barco já estava pronto, tudo arrumado. Com o nosso capitão inglês enviado pela empresa, o Fox, na marina. E o capitão que nunca tinha navegado no barco, ele tomou a decisão de sair à noite.
O Rodrigo e o Daniel não ficaram muito felizes de sair à noite, porque para chegar em alto mar, o barco ia precisar passar por um canal estreito, com muitas ondas e pedras dos dois lados. Então realmente é um local perigoso de sair, tem que sair no motor. A gente não pode usar vela nesse momento, a gente tem que sair no motor. Ou seja, eles dependiam daquele mesmo motor que já tinha dado problema. O que, né? Não parecia ser uma ótima ideia.
E durante essa passagem da ponte, desse canal, à noite ainda, o que foi pior, nós estávamos os três ali fora, o capitão, eu e o Daniel, e começamos a sentir o cheiro de fumaça. Cheiro forte de fumaça. E aí as luzes do barco ficam apagadas pra gente conseguir enxergar o caminho. Na hora a gente ligou a lanterna pra dentro da cabine e tava fumaça pura dentro da cabine. Uma fumaça preta.
Então quando a gente vê uma fumaça preta, a gente já pensa, fumaça preta é fogo. Tá pegando fogo. Eu já pensei em pular do barco, de medo do fogo. Bom, o Daniel não pulou do barco. Uma decisão da qual ele provavelmente acabou se arrependendo depois. O fato é que o motor parou de funcionar de novo, e dessa vez no pior lugar possível. E o capitão, que teoricamente estava lá para resolver justamente esse tipo de problema,
não ajudou muito. Ele passou mal, ele vomitou, ele se mostrou um cara completamente inútil. Os três tiveram que ligar pro Fox pra avisar que iam precisar ser resgatados. E aí, pouco tempo depois, numa cena digna de filme de ação, o... Fox apareceu de carona num barco Pronto pra salvar o dia. Fox queria embarcar no nosso medeiro. Mas para encostar os dois barcos em movimento era muito difícil.
Então foi uma aventura. A gente jogou o bote de apoio com o bote inflável, né? A gente soltou atrás do barco com bastante corda. O barco do pescador que veio ajudar encostou no bote, aí o Fox pulou pro bote e a gente veio puxando o bote até o barco. Porque o perigo era o barco encostar no nosso e bater e danificar os dois. Depois disso, o Fox ainda pulou do bote pro veleiro e de lá assumiu o comando e levou o barco de volta pra Marina.
Hoje, depois de tudo acontecido assim, deu pra entender toda aquela cena cinematográfica. Claro, se tem uma tonelada de cocaína, eu vou ter que salvar aquela porra lá. Não era pelo barco velho. Lembrando que embora o Daniel diga que o Fox sabia que a droga estava no barco, o inglês nega que esteja envolvido. Bom, e aí mal deu tempo de eles desembarcarem e o capitão inglês já foi embora.
Como o barco só dava problema, o Fox decidiu contratar mais um tripulante pra ajudar na travessia. Esse foi o terceiro brasileiro que foi preso em Cabo Verde. A gente tentou falar com ele, mas não conseguiu. Então a gente só vai chamar ele pelo apelido, que era Steve. E além do Steve, veio também um novo capitão, um francês, que já chegou botando ordem na casa. Ou melhor, no barco. Finalmente fizemos uma última reunião. Antes de partir... e ele nos perguntou se nós tínhamos alguma droga a bordo.
Mas ele perguntou pra nós, os tripulantes, não pro Fox O Fox ainda ficou mais uns dias no Brasil antes de voltar pra Europa de avião E depois disso, com o Rodrigo, o Daniel, o Steve e o capitão francês a bordo, o veleiro finalmente partiu rumo à Europa. Então saímos num dia tranquilo, mar tranquilo, dia bem bonito, tudo funcionando, até os primeiros dias.
Bom, a essas alturas do campeonato já dá pra imaginar o que aconteceu nesses primeiros dias. O motor no quinto dia já não funcionava mais. Problemas, problema, falhou. Outro problema, teve problema. Muitos problemas. Problemas no meio do mar. Até a hora que não tinha como resolver mais. Mas pelo menos uma pessoa não pareceu ter sido pega de surpresa por todos esses contratempos. Eu acho que o Fox estava preparado para os problemas. Eu acho que ele sabia que o barco tinha problemas.
Ele tinha bomba reserva, tinha gerador reserva. porque ele não queria que o barco afundasse. Isso eu tinha certeza. E afundar o barco realmente não afundou. Mas também não ia dar pra chegar até a Europa. O jeito era parar no meio do caminho. Perto dos 20 dias já de viagem ali, era, digamos, a terra mais próxima que tem era Cabo Verde, né? E foi a salvação nossa ali, sabe? A princípio, né? A princípio porque quando eles chegaram, a polícia
Verde entrou no barco, exatamente como a polícia brasileira tinha feito. E começou a tirar tudo do lugar, também como a polícia brasileira tinha feito. No próximo episódio. Eu fiquei confuso, eu não sabia o que estava acontecendo. Mas naquele momento eu pensei, não pode ser coincidência. Se acontecer isso no Brasil, deve ter alguma coisa errada, mas isso é o quê? E daí eu vi de camarote mesmo, né, na parte
Toda aquela cena deles abrindo lá o lugar que tava a droga. E aí você sentiu o que nessa hora? Me senti traído, me senti enganado, me senti enganado por alguém. Eu só falava isso, sabe? Filha da... A Raposa é um podcast original da BBC News Brasil. Eu sou a Cristine Kist e nesse episódio a gente usou áudios da TV Globo, a produção executiva do podcast.
É do Joe Kent. A produção adicional é do Alhão Leroy, da Charlotte McDonald e da Chiara Francávila. A Rebecca Henske é a coordenadora de podcast do Serviço Mundial da BBC. O roteiro desse episódio é meu e da Duda Kurnert. E a edição é da Pipoca Sound. A direção é do Caio Quero. Até a semana que vem.