Eu lhe dou as boas-vindas ao Autoconsciente, um podcast que fala de vida interior para você se entender melhor. Eu sou Regina Gianetti e o meu trabalho é ajudar você a viver bem com você mesmo. Eu dou um curso online com aulas ao vivo e gravadas, o Encontrando o seu centro. em que eu ensino as práticas que eu faço, a filosofia de vida e atitudes que eu adoto para viver com autoconsciência e equilíbrio.
Eu também dou retiros presenciais com vivências para você se conectar com o seu centro, visualizar mudanças positivas para a sua vida e obter as ferramentas para colocá-las em prática. Na descrição deste episódio... Tem links com mais informações sobre esses trabalhos. E se você gostar do que vai ouvir aqui, compartilha com seus grupos de mensagens. O que faz bem para você, pode fazer para muito mais gente. Episódio 169. Proteja a sua sanidade.
Ultimamente tem se discutido muito uma questão que não é nova, já se discute há vários anos, e que de tempos em tempos volta a chamar a atenção reavivada por algum fato novo. Essa questão são os efeitos colaterais que a cultura digital traz para a nossa vida. O fato do momento, neste começo de abril de 2025, é a imensa repercussão da minissérie Adolescência da Netflix.
Está-se falando tanto dela que, a essa altura, até as pedras sabem do que se trata. Mas, ainda assim, como manda o bom jornalismo, que foi a minha primeira profissão, eu preciso contextualizar minimamente o assunto. Adolescência é uma história fictícia, mas muito próxima da realidade. de um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma menina da mesma idade dele, da escola dele. E a cultura digital está muito envolvida nessa história.
Outro fato relevante em se tratando de cultura digital é a consagração da expressão cérebro podre. Em inglês, brain rough. Eleita a palavra do ano de 2024 pelo dicionário Oxford, da língua inglesa. O fenômeno do cérebro podre, que eu vou discutir aqui, está ligado ao consumo excessivo de conteúdos superficiais que são abundantes nas redes sociais.
Tem ainda um outro fato ou fenômeno que começa a ser observado, que é a vinculação emocional de pessoas a chatbots, robôs de inteligência artificial que conversam com humanos. Já existem várias reportagens sobre o assunto, contando histórias de pessoas que se apaixonam por esses robôs. Entende agora por que eu uso a palavra sanidade no título deste episódio? É bem verdade que esses três fatos que eu menciono aqui são só fragmentos de um cenário muito maior e mais complexo.
que é estudado por especialistas em cultura, filosofia e comportamento humano, entre outras disciplinas. Mas para pessoas leigas nessas disciplinas, como eu, talvez também você, a faceta mais visível e estridente dos efeitos da cultura digital É essa que se relaciona à nossa sanidade mental. E como sanidade também é um conceito cheio de facetas, vamos alinhar aqui entre nós do que é que nós estamos falando.
Vamos entender sanidade como uma condição de equilíbrio mental e psicológico, que nos permite ter autoconsciência, controle dos nossos impulsos e comportamentos. senso de realidade, capacidade de lidar com os nossos conflitos internos, de cuidar adequadamente de nós, de nos relacionar civilizadamente com os outros. eu agora convido você para uma reflexão sobre o que pode afetar a nossa sanidade nestes tempos de cultura digital e como nós podemos nos proteger disso.
Vale explorar a fundo esse tópico do cérebro podre. Essa é uma expressão informal. Para denominar efeitos negativos de se passar muito tempo rolando a tela do celular, para ver um post atrás do outro, para ver vídeos curtos e hipnotizantes sobre temas que nos interessam, Ou que nós nem sabíamos que nos interessam, mas os algoritmos se especializaram em descobrir e nos apresentar.
e tudo numa tela de rolagem infinita, que é para prender a nossa atenção. Em 2024, o uso dessa expressão na língua inglesa, Brain Roth, teve um boom, bombou na internet, nos mecanismos de pesquisa, nas redes, e ela foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford, da Inglaterra. Foi mais popular que a palavra prompt, que todo mundo também está usando por causa da inteligência artificial. Prompt é como é chamado, o comando que se dá para a inteligência artificial fazer uma tarefa.
Então o cérebro podre não é uma doença, que fique bem claro. É uma metáfora para descrever os estragos que o consumo excessivo de conteúdos digitais provoca nas nossas capacidades cognitivas e de autorregulação. Esses estragos foram comprovados por estudos científicos. Não é achismo, não. Deixei links de algumas referências que eu consultei na descrição do episódio.
De uma maneira geral, esses estudos mostram que a alta exposição aos conteúdos hiperestimulantes, rápidos e superficiais do mundo digital, isso muda o modo como o nosso cérebro funciona. E não estamos falando de mudanças para melhor. Primeiro, vamos entender por que é tão tentador para qualquer pessoa olhar com muita frequência o celular e passar um longo tempo grudada no aparelho?
Segundo a neurociência, nós somos programados para querer saber o que está acontecendo, porque isso é importante para a nossa sobrevivência como espécie. Então, imagens, ruídos, movimentos, qualquer coisa que aconteça ao nosso redor chama a atenção. Olhamos para ela, queremos saber o que é. E o cérebro nos recompensa com a liberação de dopamina, uma substância da química cerebral que provoca bem-estar.
Ou seja, a nossa curiosidade é recompensada. E quanto mais recebemos essa recompensa, mais queremos receber, claro. As plataformas de comunicação e entretenimento em geral, elas são muito competentes em chamar a atenção. Afinal, elas vivem disso. E as redes sociais, que ainda têm a dinâmica de curtir e compartilhar, estimulam os usuários a entrar numa competição por atenção. É um sistema de dupla recompensa.
Somos recompensados por ver os conteúdos atraentes dos outros e quando os outros curtem os nossos. É tudo feito para a gente não sair das redes mesmo. Para completar, quando rolamos a tela do celular, entramos em um estado de flow ou fluxo. Esse é um estado mental em que nós somos absorvidos pela atividade que estamos fazendo. Nosso foco naquilo é intenso. O envolvimento é pleno e a gratificação é profunda.
Uma característica do estado de flow é que nós nos esquecemos de nós mesmos e de todo o resto. Perdemos a noção do tempo. Quando vamos ver, já passamos meia hora, uma hora, várias horas rolando a tela do celular. Então até aqui a gente entendeu como o sistema de recompensa do cérebro nos estimula a ficar com os olhos grudados nas telas. E conforme ficamos com os olhos grudados nas telas com mais frequência e por cada vez mais tempo, alterações cerebrais começam a acontecer.
Isso porque o nosso cérebro tem uma propriedade chamada neuroplasticidade, que trocando em miúdos, significa o seguinte. Quanto mais ele executa determinada atividade, mais se fortalecem os circuitos neurais ativados naquela atividade. O contrário também ocorre. Quanto menos o cérebro executa uma atividade, os circuitos usados naquela atividade enfraquecem com o tempo.
Pesquisas mostram que aplicativos de vídeos curtos treinam os circuitos de recompensa do cérebro para esperar estímulos rápidos e constantes. Literalmente viciam o cérebro nesses estímulos. E isso acaba prejudicando o funcionamento do cérebro no modo oposto, ou seja, das atividades que requerem concentração numa única coisa por um tempo mais longo. Por exemplo, ler um livro, escrever um trabalho, até mesmo ver um filme que não seja assim tão estimulante.
Para uma pessoa cujo cérebro se reconfigurou para trabalhar com estímulos rápidos e constantes, não dá 10 minutos e ela já pega o celular sem nem perceber, no automático. É o seu cérebro buscando a recompensa dos estímulos rápidos. Pelo mesmo motivo, diminui a motivação da pessoa para realizar tarefas que exigem atenção por mais tempo. Só de pensar em assistir uma aula, uma reunião ou organizar documentos dá até um arrepio. Ela vai ter uma tentação muito forte para procrastinar a tarefa.
Mas o efeito do vício em estímulos rápidos é a impulsividade. O cérebro reage rápida e automaticamente a estímulos prazerosos. A capacidade de contenção, de pensar, agora não é hora. Ela fica enfraquecida pela falta de uso. E aqui não estamos falando da impulsividade só para pegar o celular. Ela aparece em outras situações também, em compras, em atitudes, em reações emocionais, em tomadas de decisão.
A capacidade de conter impulsos é uma só e a mesma. Se ela fraqueja para uma coisa, fraqueja também para muitas outras coisas, da vida pessoal, profissional, nos relacionamentos. Outro efeito do consumo massivo de conteúdos digitais é que ele reconfigura o modo como o cérebro processa informação. E isso se reflete na nossa forma de adquirir conhecimento e pensar. O que acontece? No mundo digital, as informações são apresentadas de uma forma rápida, fragmentada e superficial.
Vídeos, tweets, mensagens de WhatsApp, posts, notícias, todos esses formatos de informação são para consumo rápido. Nosso cérebro se adapta a essa realidade priorizando a velocidade em prejuízo da profundidade. ficamos melhores em captar informações rápidas e visuais, mas piores em raciocinar profundamente e fazer conexões complexas entre fatos, dados e conhecimentos.
para construir o nosso pensamento, para ter uma visão crítica do mundo. O modo de pensar se torna superficial, fragmentado e empobrecido. É a tal história. A pessoa se informa, entre aspas, lendo os microtextos das plataformas X ou Thread. Passando os olhos pelos títulos dos sites de notícias, mas sem ler as notícias. Nas redes, ela assiste vídeos verticais de um minuto que simplificam temas profundos, tipo como curar a ansiedade em três passos ou porque temos mais ondas de calor a cada ano.
A pessoa talvez ache que, com tanto conteúdo que consome, ela está bem formada, está adquirindo conhecimento. mas se trata de informação sem contexto, de conhecimento superficial e fragmentado. Fica rasa a visão da pessoa sobre os temas dos conteúdos que ela consome dessa maneira. Para falar ou escrever o que ela pensa sobre esses temas, não sai muita coisa. Não sai um discurso aprofundado, fundamentado.
Se observa também um declínio das capacidades cognitivas em pessoas que fazem uso abusivo do celular. Tem vários estudos de neurocientistas com o uso de ressonância magnética, mostrando alterações na substância branca do cérebro, que conecta as diferentes regiões dele. Essas alterações prejudicam a memória e a capacidade de tomar decisões complexas.
No caso de um cérebro jovem, que está em formação, os efeitos são ainda mais graves. Escute o que pesquisadores da Universidade da Coreia do Sul descobriram. que adolescentes viciados em smartphones têm menos massa cinzenta em áreas do cérebro envolvidas no processamento da atenção e raciocínio. O celular comprovadamente prejudica o desenvolvimento cognitivo dos jovens. Por aí a gente entende os porquês da expressão popular cérebro podre.
Já entre os neurocientistas, se fala em demência digital, porque, segundo eles, esse declínio cognitivo é semelhante ao dos estados iniciais de demência. Para muito além dos efeitos que as telas produzem no cérebro humano, A cultura digital criou um mundo virtual para a mente humana. Um mundo em que a realidade é mediada por algoritmos, filtros e inteligências artificiais. Nesse ambiente, os sentidos nos iludem, e o que é verdadeiro se torna apenas uma entre muitas versões possíveis.
O que nós vivemos hoje é um fenômeno que o filósofo francês Jean Baudrillard chamou de hiperrealidade. Nessa hiperrealidade, a simulação toma o lugar do real. O que a gente vê nas redes sociais, por exemplo, são versões editadas, filtradas e cuidadosamente escolhidas da vida das pessoas. Podemos até saber disso. Mas como vamos distinguir o que é fabricado do que é real?
Até porque o mundo digital, com o seu excesso de informação, ele satura nossa capacidade perceptiva e emocional. Ali, tudo é importante. Tudo parece urgente. O excesso confunde, é exaustivo, prejudica nossa capacidade de distinguir o essencial do trivial, o profundo do superficial, o real do fabricado. Na prática, o que é mais perfeito, mais chamativo, mais emocionalmente convincente, acaba se passando por verdadeiro.
Na hiper-realidade de Baudrillard, a cópia substitui o original. A imagem de felicidade substitui a experiência de estar feliz. O que se posta no feed parece mais importante do que o momento vivido. Eu guardo na memória a foto de uma virada de ano em Paris com um espetáculo de fogos de artifício na Torre Eiffel e um mar de pessoas com o celular apontando para a torre, registrando aquele momento. Quer dizer, as pessoas ali não estavam vivendo o momento, a sensação do momento, que é o real.
Elas estavam desconectadas de sentir o momento porque captavam a imagem para depois postar, para mostrar uma realidade estética no seu Instagram. Isso é típico da hiperrealidade de Baudrillard.
E é típico também de um outro aspecto do mundo digital, a cultura da performatividade, para a qual o valor de uma pessoa está na imagem que ela projeta e não na experiência autêntica de quem ela é. Isso cria uma pressão imensa para uma encenação da própria vida, para parecer feliz, parecer produtivo, descolado, espiritualizado, ou seja o que for. a autoimagem idealizada que todos nós construímos para nós, e desde sempre foi assim, essa é uma função do nosso ego.
Essa auto-imagem, na cultura digital, ela precisa ser muito mais trabalhada, muito mais estética. Ela tem que ser engajante, tem que ser instagramável. A psicóloga e socióloga americana Sherry Turkle, que estuda a relação entre tecnologia e identidade, ela diz que a diferença entre o eu apresentado e o eu vivido gera um mal-estar profundo. A pessoa sente que precisa esconder suas fragilidades, seus sentimentos reais, suas dúvidas. E vai se desconectando de si mesma.
Isso, a longo prazo, pode gerar ansiedade, depressão, crises de identidade. Um fato sobre o mundo digital como a gente o conhece, até aqui pelo menos, é que nele a prioridade não é a verdade, mas o engajamento. A gente sabe que as plataformas funcionam com base em algoritmos que mostram o que nos interessa e dão preferência a conteúdos virais, aqueles que geram muitos compartilhamentos e likes e circulam rapidamente.
Com muita frequência, são também conteúdos que provocam reações emocionais intensas, como surpresa, indignação, raiva, euforia. A emoção tem muito mais poder de viralizar do que a informação. As narrativas têm mais força do que os fatos. E isso é um prato cheio para pessoas e grupos que querem espalhar a sua versão da realidade. O que aparece para nós nas redes sociais, nas buscas da internet, é o que os algoritmos entendem que vai parecer verdadeiro para nós.
porque confirma os nossos sentimentos, confirma as nossas crenças, a nossa identidade, coisas que ele, algoritmo, conhece muito bem. E se o que ele nos mostra é falso ou distorcido, pouco importa. O que importa é que está bombando. E, para quem quer bombar, a tecnologia entregou de bandeja um tremendo aliado, a inteligência artificial.
chegamos ao ponto de não poder acreditar completamente em vídeos, fotos e registros de áudio que antes eram tidos como provas cabais de que alguém fez ou falou alguma coisa. Eu me lembro quando, dois anos atrás, ficou todo mundo assombrado com a imagem do Papa Francisco vestindo um casaco de nylon branco, tipo o casaco de neve que foi feito por inteligência artificial. Foi quase uma brincadeira inocente. E foi só o começo.
Hoje estamos vendo vídeos que mostram pessoas que não existem e nem percebemos que são criações digitais. Também vemos vídeos que recriam a imagem de pessoas que realmente existem, falando e fazendo coisas que nunca fizeram e talvez jamais fizessem. Já não se pode saber em quem e no que acreditar. Hoje, tudo é possível. E também tudo é contestável. Quem se sente acusado de algo pode alegar que é deepfake.
Isso é muito incômodo. Cria um estado de incerteza que, somada a outros fatores sociais, políticos, é terreno fértil para a propagação de teorias, de narrativas que prometem certeza. Narrativas às vezes radicais que atraem muitos dos que se sentem humilhados, menosprezados, excluídos por não se enquadrar nos padrões ostentados na cultura digital. Essas narrativas lhes dão o senso de pertencimento a um grupo, justificam seus insucessos, apontam culpados, legitimam sua raiva.
e são encorajados a comportamentos agressivos em diversos graus, que no limite podem chegar ao assassinato, como retrata de forma contundente essa minissérie Adolescência da Netflix. Se é que você já não assistiu, assista. Todos precisamos assistir. Ela mostra uma faceta do mundo hostil e insano que estamos deixando para os nossos filhos.
Por fim, nesta nossa reflexão sobre cultura digital e suas implicações na nossa sanidade, eu não poderia deixar de mencionar o amor platônico por robôs de inteligência artificial. Foi até tema de reportagem do Fantástico, da Rede Globo. Eu fiz uma pesquisa rápida na internet e localizei cinco plataformas de inteligência artificial criadas especialmente para isso, para simular relacionamentos românticos. que criam um parceiro ou parceira ideal para o usuário.
A ideia não é nova. Em 2013, o filme Her, estrelado pelo ator Joaquim Fênix, conta a história fictícia de um homem solitário que se apaixona por sua assistente virtual. que interage com ele por meio de um aparelhinho portátil com fone de ouvido. Ela é uma companhia sempre disponível, atenciosa, carinhosa, compreensiva. O personagem se envolve profundamente com ela e torna público o relacionamento.
Ele a coloca no modo viva-voz em um piquenique com amigos. E ela conversa com todo mundo, esbanja charme e inteligência. Parece tudo quase normal. Mas gente, peraí, é um programa de computador. Será que Freud explica o que nos leva a um relacionamento afetivo com um computador? Eu suspeito que sim. Eu não sou contra esse mundo digital. Ele está aí, é parte da nossa vida e em última análise apenas reflete o que é a mente humana.
o que ela cria de mais belo e de mais terrível, o que ela deseja, rejeita, o que anseia, o que teme. Só acho que precisamos proteger, preservar a nossa sanidade. E isso passa pela conscientização das armadilhas desse mundo digital, de suas miragens, seus becos escuros. O melhor para nós é viver mais a vida que temos sem as telas, a vida real que experimentamos na própria pele.
A vida real não tem filtros que embelezam. Não nos cerca de vozes que confirmam o que pensamos. Não faz promessas de felicidade. Não nos distrai dos problemas. E ela pode ser bem difícil às vezes. mas é na experiência da vida real, da vida como ela é, que podemos olhar para dentro e nos ancorar na fonte da plena sanidade, nosso eu autêntico, a nossa essência. Que você esteja bem Um abraço